Mas, felizmente, o ser humano ainda mantém algumas das benéficas regras de sobrevivência do reino animal. Atacando um, de determinada espécie, toda a espécie se une e combate os atacantes. E foi o que aconteceu com a morte do Dr. Sílvio Dala. A classe saiu em uníssono em sua defesa, trazendo argumentos científicos que tornaram nublada e incompreensível a explicação oficial da morte do jovem médico. Todas as associações ligadas ao sector da Saúde se uniram, impondo um luto nacional e um programa de luta pela verdade. O Sindicato dos Médicos reagiu de forma contundente. A Ordem dos Médicos "solicita uma nova investigação independente das circunstâncias em torno da morte do jovem médico de quem o País tanto esperava".

As redes sociais atacaram em bloco. Os jornais, os sítios noticiosos e as rádios comentaram, de forma exaustiva, este infausto. A indignação é global e já se internacionalizou. A aberração foi a palavra de ordem para explicar este caso. À televisão, que em uníssono se tornou alinhada, não podemos agradecer a utilidade, pois demorou muito tempo a trazer o contraditório e ainda hoje tem maior eco a versão oficial, o que é lamentável.

Mas, afinal, o que é que se ensina na Escola da Polícia se a opção à resposta violenta e desproporcional se tornou a regra? O que explica o facto de o agente perder o medo e o discernimento e decidir que nos pode matar sem consequências? Quantas são as avaliações psicológicas a que um agente da Polícia é submetido para podermos ter a certeza de que estamos perante uma pessoa de bem e não um louco que não consegue medir o impacto da tortura no corpo de uma pessoa frágil ou ultrapassar sistematicamente a fronteira da Lei? Será que os critérios de ingresso na Polícia Nacional são baseados em modelos formais que incluem competências éticas, psicológicas e físicas ou apenas importa ter muitos efectivos em detrimento da qualidade? É frustração pela precariedade do salário? É por terem duas e três esposas e um monte de filhos que não conseguem sustentar? É por ausência de Deus nas suas vidas? É porque a formação não é competente? Onde residem as razões que determinam tanta violência? Estas e outras questões deviam ser alvo de imediata avaliação por parte dos deputados e do Executivo no seu conjunto, para aferir onde reside o problema e resolvê-lo. É um imperativo nacional.

Foi tornado público, esta semana, que morreram mais dois jovens, um em Viana e outro em Malanje, por disparos feitos pela Polícia. Já foram muitos. Amanhã serei eu e depois serás tu ou um dos teus ou meus filhos se ninguém travar esta onda de irracionalidade por parte de quem tem uma farda e uma arma na mão. A vida humana deixou de ser o bem maior. No nosso País morremos à toa e estamos órfãos de protecção institucional. Nenhum país se constrói a chapada. O terror não educa. Nenhum país se unifica se a cúpula permite que o povo seja tratado de forma medieval sem que ninguém nos socorra. Já tivemos assassinatos políticos, assassinatos por conveniência histórica, assassinatos por tentar dar jantar aos filhos vendendo na rua, porque o País não lhes deu nada, assassinatos por reclamar melhores condições de trabalho e de remuneração. Nunca consegui esquecer a morte do jovem Rufino António, assassinado com um tiro na cabeça, por se colocar em frente à demolição da casa dos seus pais, onde vivia em 2016. Só tinha 14 anos. Agora morremos porque nos querem salvar da Covid-19 e, por isso, já "foram a óbito" muitas pessoas mortas pela Polícia, por causa da esquizofrenia do excesso de zelo, muitas vezes em contramão com a lei, a exemplo da multa que não dá direito à detenção.

A Polícia Nacional tem milhares de pessoas boas que são profissionais e que respeitam as regras, e este facto é indesmentível e significa esperança. Estes deviam unir-se para extirpar o cancro que está a matar o bom nome e a imagem do colectivo. Mas não é novidade para ninguém que há um elevado número de agentes que é prepotente, ameaçador e perigoso. Todos nós já tivemos experiências muito desagradáveis com a Polícia. Entrar na esquadra só para apresentar uma queixa já dá medo. Não basta pedir desculpa. Não basta pagar o enterro. É imperativo que façam uma escolha. Ou se purificam urgentemente ou o tempo encarregar-se-á de matar o crédito da instituição. E isto seria um tremendo desastre, pois a Polícia é uma instituição necessária, prioritária e insubstituível para assegurar a ordem e a tranquilidade dos cidadãos e dos países.

Activista cívica

(Leia este artigo na íntegra na edição semanal do Novo Jornal, nas bancas, ou através de assinatura digital, disponível aqui https://leitor.novavaga.co.ao e pagável no Multicaixa)