O usufruto de serviços e a ostentação de bens caríssimos, grandes mansões em Angola e no exterior, carros de alta gama, bens luxuosos e contas bancárias "volumosas" - passou a ser muito comum entre uma pequena elite, composta principalmente por políticos e dirigentes ou pessoas muito ligadas a si.

Um pouco por todo o País, o nepotismo, a bajulação e o tráfico de influências desalojaram a produção de bens e serviços, na origem da maior parte das grandes fortunas existentes no País, distorcendo o valor que deveríamos atribuir a qualidades, tais como: honestidade, meritocracia, empreendedorismo, patriotismo e ética, na realização de actividades económicas e na gestão da coisa pública.

É claro que em Angola sempre existiram ricos e pobres, mas, em relação ao que ocorreu nos anos anteriores à chegada ao poder do novo Presidente, os ricos surgidos do processo de "acumulação primitiva de capitais", muito defendido nos últimos anos pelo ex-Presidente da República e seus seguidores, exibem um volume de riqueza maior do que em qualquer outra época de que se têm memória. João Lourenço esteve muito bem ao reconhecer tais práticas e ao assumir o compromisso de as combater!

Porque privilégios concedidos apenas a alguns em detrimento de direitos para a maior parte dos cidadãos são, do meu ponto de vista, o principal responsável pelo abismo e penúria pública em que caímos.

Se naquela altura a pobreza de muitos tendia a ser vista como uma mera abstracção, até por muitas das pessoas pobres, hoje, num cenário marcado pela Covid-19, os sintomas do empobrecimento colectivo têm tudo a ver connosco.

Independentemente do status social, cargo que ocupam nas diferentes instituições do Estado, sector privado, partidos políticos, instituições religiosas e organizações da sociedade civil, os cidadãos sentem de forma directa ou indirecta o impacto das múltiplas crises que o País vive.

Estradas recentemente construídas ou reabilitadas, altamente degradadas, empresas públicas e privadas, na banca rota, escolas sem condições de retomarem as suas actividades, face à pandemia, por falta de condições para proporcionarem os mais elementares meios de higiene e biossegurança para os seus utentes, imensos cidadãos desempregados, os mal pagos, uma dívida pública sufocante, enfim, um imenso número de problemas.

Tudo indica que o País foi sendo governado por pessoas que disponibilizavam o mínimo de informações para que os cidadãos não pudessem acompanhar, perceber, debater e contestar as opções tomadas, mesmo quando estas estavam claramente equivocadas. Os processos de tomada de decisões eram desenhados de modo a impedir que um vasto número de cidadãos pudesse participar deste; e exercia-se um fraco controlo sobre a actuação daquelas pessoas, a quem foram confiadas importantes responsabilidades, em frente das instituições do Estado. Não sei se foi feito tudo de propósito para facilitar o enriquecimento ilícito e injusto que hoje vemos, mas a verdade é que alguns desses males ainda persistem na actualidade. Temo que se não conseguirmos identificar de modo correcto as suas causas, como podemos pretender corrigi-los?

Senão vejamos, quantos membros do Executivo se mostram sensíveis ante as reiteradas demandas de envolvimento da sociedade civil no processo de elaboração da proposta do Orçamento Geral do Estado para 2021?

O facto de o envolvimento dos cidadãos estar previsto, quer no documento que aborda um instrutivo para elaboração do orçamento, quer no decreto de lei que fala do orçamento participativo, não seria motivo suficiente para que sintamos uma clara mudança? Está mais do que visto que não basta apenas mudar as coisas para que as pessoas mudem. Em alguns casos, é preciso também mudar as pessoas, para que as coisas mudem. E no quesito da transparência, participação e controlo das finanças públicas, o País não mudou tanto quanto gostaríamos!