Há dez anos, a África do Sul parecia, sim, ser o epicentro do pan-africanismo. Numa das suas famosas canções, o músico maliano Salif Keita falava em não haver necessidade de os africanos andarem atrás de vistos para o Ocidente; quem queria ver modernidade poderia vir para a terra do Mandela. Num dos centros comerciais de Joanesburgo, havia uma discoteca chamada Sankhai, onde tocavam música de várias partes do continente africano. Era bom ir lá ver malianos, nigerianos, quenianos, zambianos - todo o continente africano - dançarem. Estou a escrever isto de Joanesburgo e vou notando que a atmosfera mudou bastante.

A experiência do sul-africano comum com o pan-africanismo parece não ter sido muito positiva. Há enclaves em Joanesburgo de várias comunidades africanas. Outro dia, estava à procura de saldo para o meu celular em Kempton, um subúrbio de Joanesburgo, e parei numa loja que pensei ser de ganeses. Um senhor tratava comigo mas falava sobre mim com o seu colega numa língua que eu não entendia. Pedi-lhes que falassem inglês para nos compreendermos. Responderam-me logo que eram Igbos da Nigéria e que não era eu que iria fazê- -los perder o orgulho que tinham na sua língua. Claro que os nigerianos assumiram que eu fosse sul-africano; havia, ali, a possibilidade de um choque. Tive que usar todos os truques que conhecia para desfazer a tensão. Os nigerianos estavam agitados e na defensiva. Tive a impressão que se tratava de gente que era menosprezada constantemente.

O projecto pan-africanista na África do Sul tornou-se instável porque não houve uma estratégia séria de promover um intercâmbio entre os povos. Há a África do poeta Senghor - da mulher negra, formosa, cheia de mistérios. Mas há a outra África, onde existe gente a tentar sobreviver em péssimas condições; África onde a lealdade ao grupo étnico é o que conta mais; África das prostitutas e traficantes de drogas. Os sul-africanos tiveram que lidar com esta África sem saber que a África da grande criatividade é um profundo senso de honra; da África de aristocratas vindos dos grandes reinos do Benin, Gana, Mali, Songhai. Mas esta África não pode ser apreciada facilmente; ela requer uma capacidade imensa de estudos e empatia.

Há dez anos, no tempo em que havia uma política de criar uma elite económica negra, surgiu, então, uma cultura de um certo materialismo aparatoso. Lembro-me claramente de uma tarde em que, no Soweto, um casal negro apareceu, no restaurante onde estávamos, a conduzir dois Ferraris: o cor-de-rosa era da senhora, o azul do senhor. Houve muitos negros que passaram a ter empresas que não duraram muito tempo. Parte da burguesia negra sul-africana passou, também, a admirar a elite negra afro-americana. Lembro-me de palestras de milionários afro-americanos que vinham cá para revelarem os seus segredos.

Os negros sul-africanos não pareciam estar muito interessados nas práticas de africanos que se vinham instalar nas comunidades mais humildes, fazendo lucros de produtos que vendiam a retalho. Estes africanos operavam em redes. Havia o chefe com o capital que comprava em grosso; depois os outros vendiam nos bairros. O que mantinha aquelas redes firme era um profundo sentimento de confiança. Não havia, também, um esforço para estas novas comunidades - em certos casos de confissão muçulmana - serem entendidas. O resultado foi que estas comunidades atraíram a atenção dos populistas. A história é sempre a mesma quando se trata da diabolização de um sector. Havia, de repente, histórias de estrangeiros que andavam a matar bebés para fazer dinheiro; de conluios por todo o lado para explorar os nativos.

É curioso que nesta última década, enquanto a xenofobia cresceu num segmento da comunidade sul-africana, cultural e economicamente, o país se estendeu para o resto do continente. As indústrias mineiras da Tanzânia, Zâmbia e mesmo do Congo Democrático dependem muito da África do Sul. As universidades e o sector privado de saúde da África do Sul têm tido receitas vindas do resto do continente. Tudo não está perdido; assim que vários pontos de excelência vão surgindo no Continente Africano, os nossos irmãos por cá passaram a apreciar a necessidade de várias etapas para se construir um continente economicamente bem mais forte.