Não imagino quem fez o envio dessas fotocópias, e com que objectivo, sabendo ou não que eu, estudioso admirador da vida e obra de Agostinho Neto, conhecia esses artigos, por receber regularmente o jornal que os publicara sem comentários. Mas, presumindo que a intenção poderia ser um convite ou desafio para comentar a dissidência entre os dois historiógrafos, a minha posição, de quem não foi dado nem achado para arbitrar um jogo sem regras como é, lamentavelmente na prática em geral, o jogo da avaliação das figuras históricas, só pode ser a de um publicista marginal que aproveita a questão para divagar sobre o tema: Por que é Agostinho Neto uma figura imortal da história de Angola?

Comecemos por aceitar a verdade histórica como a entendiam reputados pensadores: para Montaigne, "a verdade é uma vasilha com duas alças, que tanto pode ser empunhada pela direita como pela esquerda"; para Steinbeck, "a verdade dos historiadores só é verdade até que alguém passe e faça um novo arranjo da verdade no seu próprio estilo"; para a historiadora Christine Messiant, que se deslocou a Angola para estudar in loco o processo de formação do Estado angolano, face ao "ruído" e "armadilhas" da "verdade" que toda a gente dizia saber, considerou que "em Angola, até o passado é imprevisível".

E se ela, sabendo que o alegado responsável pelos massacres na Baixa de Cassanje, em Dezembro de 1967, o oficial português Teles Grilo, esteve preso durante muitos anos pelo Governo do MPLA e depois foi solto sem nunca ter sido julgado; que em Maio de 1977 a tentativa do golpe fraccionista liderado por Nito Alves contra a Presidência de Agostinho Neto desencadeou uma vaga de mortes e violências das facções em confronto, que até hoje nunca foi balanceada, nacional e internacionalmente, em termos jurisdicionais - só lhe restava escolher a "razão" mais plausível...

Por tudo isto e o mais que se poderia acrescentar, ouso ser mais contundente: conhecendo algumas pessoas que fazem literatura "histórica" para dar nas vistas e - parafraseando Eduardo Lourenço - "criar uma imagem sem a qual se pode dizer que não tinham imagem", menos credível será o seu trabalho quando, referido a personalidades de grande gabarito, correm o risco de ser julgados como o polvo da alegoria do Sermão aos Peixes, do Padre António Vieira, ainda no Maranhão, antes de voltar a Portugal: o polvo é um inimigo hipócrita dos peixes que pretende devorar, usando a faculdade de mudar de cor conforme o ambiente e só movendo os tentáculos quando a presa está ao seu alcance, ou, caso se engane, para escapar a uma réplica, largando uma onda de tinta negra para ocultar a fuga.

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