Em ano eleitoral, essa conflitualidade atinge uma espécie de crise existencial de certas faixas do MPLA que se recusam a compactuar com essa política de enriquecimento de certas pessoas, estando por isso disponíveis a manifestar o seu voto de rejeição, mas ao mesmo tempo não se revendo nas propostas e programas da oposição.

O modo como será gerida a relação com os grupos económicos, a forma como os novos líderes do MPLA vão demonstrar se têm ou não poder e autoridade sobre tais grupos serão determinantes para a participação eleitoral em Agosto de 2017, tanto no sentido de vir a ser ou não manifestado um voto de rejeição (abstenção, voto nulo ou branco), como através de uma eventual transferência de eleitores tradicionais do MPLA para partidos da oposição, se estes tiverem capacidade de os atrair.

Seja como for, a actuação e o poder dos grupos económicos está transformado num dos problemas mais sensíveis da actualidade eleitoral. Na sociedade, é clara a ideia de que a acumulação privada de riqueza (principalmente nos elevadíssimos valores que a imprensa estrangeira vem denunciando) só foi possível com um alto patrocínio público, o que, por humildade e respeito pelos angolanos, pelo menos isso, deveria levar todos os milionários angolanos a terem alguma contenção verbal, menos exibicionismo e maior preocupação com o desenvolvimento da economia nacional.

O capitalismo angolano é resultante de políticas públicas de favorecimento, ofertas de oportunidades de lucro rápido e, nalguns casos, de escandalosas transferências da titularidade de bens ou de negócios públicos para mãos privadas. Todos os sectores produtivos estratégicos (banca, energia e petróleos, geologia e minas e telecomunicações e comunicação social) estão nas mãos dessa pequena elite empresarial, que ainda assim se apossou também de outros negócios com o Estado, como a prestação de serviços, a gestão de activos e de instituições públicas e de todo um sistema de influência na indicação de gestores públicos.

Mesmo que procuremos encontrar o bem fundado da política de enriquecimento de uma elite angolana feita a partir dos dinheiros públicos, os resultados talvez sejam mais perniciosos do que a realidade que pretensamente pretendia combater, a começar do facto da maior parte do dinheiro "público" que gerou as novas fortunas "privadas" ter sido enviada para fora do país, em valor muito superior às reservas nacionais do país, ao invés da prometida criação de postos de trabalho, fortalecimento da indústria nacional e do tecido económico em geral. Ao mesmo tempo que os principais sectores económicos do Estado foram tomados ou dominados pelos grupos económicos afectos a essas elites, houve em sentido contrário um enfraquecimento da autoridade do Estado, quer ao nível dos seus representantes (ministros, deputados, governadores ou administradores municipais) como dos mecanismos e estruturas de regulação e de protecção dos cidadãos.

Nenhum representante do Estado tem poder e autoridade para impor seja o que for a essa elite. Pelo contrário, assistimos todos os dias os governantes e representantes do Estado a participarem da feira de vaidades dos novos-ricos, a patrocinarem politicamente uma ainda maior concentração de poder nesse pequeno grupo de "predestinados". Independentemente da pressão eleitoral do momento, o MPLA tem em mãos um problema bicudo resultante do facto de a sua política de criação de uma pequena burguesia nacional ter, em boa verdade, aprofundado ainda mais os antagonismos de classe na nossa sociedade e ter motivado nas restantes cidadãos a sensação de existência um "colonialismo nacional" ou da transformação do país numa coutada pessoal de alguns, os chamados "donos do país".

Por causa das ligações promíscuas, confundem-se os interesses (sejam antagónicos como os complementares) dessa elite económica e política com os interesses do partido maioritário, que possui (como se diz nos discursos do seu candidato presidencial) um projecto nacional de desenvolvimento com melhor distribuição da renda nacional, combate à corrupção e uma sociedade mais justa. A maior parte dos beneficiados da política de aburguesamento são membros da "entourage" presidencial ou membros da direcção do partido no poder, o que gera a generalizada percepção de impunidade e de um poder paralelo acima das estruturas normais do Estado, o que, por sua vez, gera a conflitualidade a que nos referimos acima.(...)

(Pode ler a crónica integral de Ismael Mateus "Democracia e Cidadania" na edição nº 474 do Novo Jornal, nas bancas, ou em dgital, cuja assinatura pode pagar via multicaixa)