Todavia, um facto é garantido: centrando a roda do futuro, permanecerá um eixo imutável em torno do qual a fala, a escrita e a cultura transmitidas ao longo de séculos não dependem hoje exclusivamente de mais ou menos escolas. Como diz o ditado, Ki longa o tembu, xikola ndênge - O que ensina o tempo, nem a escola se lhe compara. Ou: Putu ilonga, kimbundu kilongolola - O português educa, o quimbundo esclarece. A que poderíamos nós agora, modestamente, aduzir: o que os olhos vêem também formata a alma...

Embora instruído no ensino primário e secundário em Angola e nas ciências históricas na União Soviética, não precisou o Presidente João Lourenço de chegar ao ensino superior, em 1978-1982, para, na sua visita a Portugal, convidar os portugueses a irem em força para trabalhar em Angola, bastando--lhe retomar o pleno sentido do mencionado poema de Agostinho Neto:

...Chegados à hora

fervilha a impaciência nos corações que lutam

pelo fumegar das fábricas e chiar dos guindastes

homens e rodas

conjugados na construção da pátria libertada

constantemente na construção da pátria

sem que o germe da exploração lhe penetre (...)

Construção

e

reencontro (...)

É curioso que durante os três dias da visita, em que João Lourenço viu, ouviu e falou com políticos e empresários, ele pareceu como que inspirado pela doutrina dos Mais-Velhos...Tal como, respigando do notável etnógrafo Óscar Ribas: Kamba dié, zoka nê, ukamba nda uuabe.-Mâka a-ma-ta ni mabuse o mulênge.- Discute com o teu amigo, para que a amizade se estreite.- Expomos as apreensões para que sejam solucionadas.

E quando, com discutível oportunidade, surgiram comentaristas a lembrar que convidar os portugueses a irem rapidamente e em força para Angola, fora, em Abril de 1961, uma fatídica exortação de Salazar; ou uma jovem angolana, cujos pais foram sacrificados em 27 de Maio de 1977, a pedir para ler uma poesia certamente alusiva ao trágico acontecimento - João Lourenço, sem alterar o tom normal da voz, respondeu que aquele não era o sítio nem o momento certos para lhe poder responder. Mais uma vez, ele pareceu ter seguido o conselho dos pensadores ancestrais: Bua ngene, utambujila, kubé muimbu.-Em casa alheia, responde, não dês cantiga". Se não fosse um homem decidido a mostrar que a boa educação deve controlar a expressão do pensamento, porventura teria respondido citando o velho rifão português: a roupa suja lava-se em casa.

Em consonância com os comentários produzidos pela generalidade dos "fazedores de opinião", não foi por simples cortesia protocolar que o Chefe do Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, outorgou ao Chefe do Estado angolano, João Lourenço, a alta condecoração de Grão Mestre da Ordem do Infante D.Henrique, envolvendo na mesma distinção Ana Dias Lourenço, que acompanhou o marido em todos os momentos, sendo também ela uma figura respeitada do Estado angolano.

Ambos com formação superior e desempenho de funções qualificadas em Angola e no estrangeiro (ele, general das forças armadas e membro do Governo anterior, ela, economista, também ex-ministra no Governo de José Eduardo dos Santos e colaboradora do Banco Mundial), constituíram uma representação política e cultural ao nível da receptora.

Esta mesma condecoração foi atribuída a outros Chefes de Estado dos países de língua oficial portuguesa, pelo seu amplo sentido: distinguir relevantes serviços prestados a Portugal e à expansão da cultura portuguesa, na sua história e valores.

Donde, a égide e o signo que nortearam a visita do Chefe do Estado angolano a Portugal estavam certos: Construção e Reencontro.