Esta tendência, serôdia, profundamente lesiva dos grandes e verdadeiros interesses nacionais, emparedada entre o medo e a impotência, não desaparece em meia dúzia de anos. É verdade que foi sendo interrompida, aqui e ali, por gente vertical, que nunca receou dar a sua opinião, discordar, chamar à atenção do desastre para onde caminhávamos, com muitas das consequências que bem conhecemos. Vários gritos num silêncio sepulcral que nos levou aos antípodas das propostas teóricas que nos eram apresentadas, inúmeros alertas num silêncio que se estendia à esmagadora maioria de políticos e intelectuais, metidos numa teia que os condicionava e punha em risco a sua sobrevivência social e familiar caso discordassem da longa lista de desmandos, de disparates, que resultaram, muitos deles, em autênticos crimes de lesa-pátria.

Chegados a este ponto, a viragem nas eleições de 2017 foi fundamental para que não nos esparramássemos num abismo que levaria décadas a vencer, com custos piores dos que os que hoje enfrentamos ao nível das desigualdades sociais e da recuperação produtiva e económica que Angola, no seu todo, poderia já ter encetada, pelo menos há década e meia.

Terminava um tempo surrealista, em que os que nada sabiam, os ignorantes, as bocas de aluguer, tinham as portas abertas para defender o indefensável, para "vender" uma realidade que, desastrosa e desumana, nos passavam como um novo modelo de "paraíso", escondendo o que de mais grave se passava de Cabinda ao Cunene e impondo a mentira como a mais fácil e cómoda forma de vivermos.

Foi assim que iniciámos, há muito pouco tempo - não nos esqueçamos -, um projecto de mudança que, sendo urgente e inadiável do ponto de vista pragmático, não traz, com a pressa por todos desejada, os resultados ideais. Não se recupera de uma lista sem fim de desvarios, de despautérios, de assaltos à riqueza nacional, de conduzir um país, como lembrávamos há algumas semanas, quase à condição de pária, para uma rápida transição e normalização das instituições, a reposição de algumas medidas essenciais, que sempre estiveram no papel mas nunca foram postas em prática e que levam alguns anos a dar frutos e a oferecer resultados.

É por isso que se torna imperioso aprofundar o diálogo a todos os níveis. Não nos cansamos de repetir isso. É uma questão de sobrevivência, enquanto país, que - independentemente das visões que se tenham, das concordâncias e discordâncias que encontremos no caminho - sejamos capazes de pôr acima de tudo os grandes interesses nacionais. Debater pontos de vista, confrontar perspectivas diferentes, discutir visões distintas que nos conduzam à inversão do "estado a que chegámos", implica muita coragem, algum desassombro. Obriga a que nos dispamos de algum dogmatismo e nos habituemos a ouvir e a procurar entender aqueles que discordam do que defendemos.

É verdade que não temos muito tempo. Mas não é menos verdade que não podemos voltar atrás nem deixar que os diferentes olhares sobre a saída das múltiplas crises que nos afectam prejudiquem o aprofundar do diálogo, do debate e do consenso que nos ponham - aos que realmente estão interessados no progresso e na recuperação do desenvolvimento multissectorial do país - de acordo quanto às decisões estruturantes que temos de tomar. Tudo o resto, como diz o irmão brasileiro, é "conversa para boi dormir".