Garantia também que não alinharia, nem alinharei no coro daqueles que, pretendendo pôr em causa o futuro do actual Presidente quando este se reformar, aspiram a provocar a instabilidade e o caos no nosso país.

Sem retirar o que escrevi, reconheço, no entanto, que, como dizia aqui há uns anos, no seu humor apimentado, Manuel Rui Monteiro, "não almoçando, já estamos a ser todos jantados!"

Mantendo-me sempre alinhado com o que então escrevi, nunca dei, porém, como seguro, que não possamos vir a ficar - como já estamos - tramados por causa de uma série de disparates que, pertencendo a um passado de demagogia e de desnorte, persistem em fazer-nos acreditar na (inexistente) excelência da governação indígena.

O passado de colectivismo primário e de utopia operária, sem nenhuma consciência de classe, faz parte de uma geração sucessora de uma outra geração aqui nascida que, há quarenta e um anos, começou a reproduzir a típica comédia do planeamento socialista defendida no Gana por Kwame Nkrumah.

É que esse político cujo empenho na luta pelas Independências e pelo Pan-Africanismo nunca esteve em causa, infelizmente incorreu numa deriva governativa tão embaraçosa, que só depois de ter mandado construir uma indústria estatal de mangas enlatadas para processar 7 mil toneladas por ano é que deu conta que, afinal, não haviam sido antes plantadas as mangueiras...

Peregrinando inveja ganense, há menos de dez anos, depois de termos contraído ao Japão um financiamento de quase mil milhões de dólares (!) para reerguer a indústria têxtil, por aqui esquecemo-nos também de assegurar, previamente, a produção de algodão...

Replicando a paródia de Acra, por aqui desperdiçamos quase mil milhões de dólares (!) com a instalação de uma Zona Económica Especial em Viana com a importação de fábricas que, nalguns casos, que não são poucos, chegadas aqui em estado obsoleto, ainda nem sequer, até hoje, foram desencaixotadas...

Ao reeditar estes interlúdios cómicos da economia centralizada em diversos projectos megalómanos, não demos conta, mas começávamos aqui a tramar parte do nosso percurso!

Porquê?

Porque anestesiados pelo brilho dos diamantes e embriagados pelo poder do petróleo, decidimos lançar para o mar a bússola para, então, começarmos a navegar à vista...

E, com isso, em lugar de trabalho, engenho e de riqueza, passamos a pré-lavar, em série e em sofisticadas lavandarias, gente endinheirada.

Começámos, assim, a ficar tramados porque, cedendo a um tempo de desrespeito pela palavra dada, andamos a devorar cada vez mais a nossa dignidade. Esse tempo, por esses dias aqui, é uma via de saudades...

Estamos tramados porque hoje só nos preocupamos em ter o neo-riquismo como ideologia dominante em casa ou no restaurante, na escola ou no emprego.

Estamos tramados porque temos uma classe média que, em lugar de libertar massa crítica, prefere abraçar a cobardia e renunciar ao seu papel como almofada da democracia.

Estamos tramados porque andamos a idolatrar políticos e activistas de propaganda especializados em berraria, que detestam o debate académico e odeiam a divergência intelectual.

Estamos tramados ao aceitarmos viver numa sociedade em que, sem nos apercebermos, em muitos lugares, "a miséria" está "a expulsar a pobreza"...

Estamos tramados quando o mandato dalguns órgãos de soberania - os tribunais -, em violação da lei que dizem defender, prolongam-se por tempo indeterminado e toda a gente assobia para o lado...

Estamos tramados por estarmos a ser vistos lá fora como cortesãos de "angolanos poderosos" para quem os estrangeiros, "especialmente portugueses, são valiosos" por "gerirem os seus interesses pessoais empresariais".

Estamos tramados quando "o desinteresse dos angolanos para aprender", no âmbito da famosa cultura de consultoria estrangeira, resulta em "oportunidades de negócios para si e seus parceiros", enquanto que os expatriados não estão interessados em transmitir know-how, nem que a sua prestação de serviço "seja dispensada".

Estamos tramados por termos consentido que o sector das telecomunicações - nevrálgico para a vida de qualquer país - se transformasse num negócio monopolizado e concentrado nos bolsos de uma única família.

Estamos tramados quando um Presidente do Conselho de Administração de uma companhia com a dimensão da Sonangol - como se esse cargo não lhe absorvesse tempo e trabalho - abocanha também a função de Presidente da Comissão Executiva da Sonangol Pesquisa e Produção, passando, deste modo, um atestado de incompetência ao vasto universo de quadros e gestores altamente qualificados que proliferam na empresa.

(A crónica integral de Gustavo Costa pode ser encontrada na edição nº 464, do Novo Jornal, nas bancas, ou em digital, que pode pagar via Multicaixa)