A falsa percepção de que o entendimento da realidade é um produto exclusivo dos sentidos, retirando ao ser humano a capacidade de a perceber e interpretar de um ponto de vista lógico e racional, assente em fundamentos vários - económico, político, social, cultural -, com outras componentes que as sociedades de consumo integraram como regras supostamente essenciais para a vida humana, facilita, de que maneira, uma perspectiva derrotista, impotente e desencantada dos homens perante a sua vida.

Convencidos de que os problemas concretos da vida só são passíveis de resolução, ou por entes divinos ou por quem governa, passamos um momento histórico de completo desnorte, sem que as pessoas consigam reencontrar a consciência que esteve sempre presente em muitas gerações ao longo dos séculos. Basta lembrarmo-nos da Revolução Francesa, da Revolução de Outubro, da 2ª Guerra Mundial. Seria suficiente recordar Chicago e o reconhecimento do 1º de Maio. Poderíamos trazer à memória a luta das mulheres, desde há séculos pelo reconhecimento pleno dos seus direitos, a começar pelo direito ao voto, que lhes foi negado durante décadas. O combate de Luther King e seus seguidores pelo reconhecimento dos direitos dos cidadãos negros nos Estados Unidos da América. A luta, pelos vistos eterna, contra os supremacistas, os que estão convencidos, na sua irracionalidade, que são superiores a todos os outros seres à face da terra. Buchenwald, Auschwitz ou Sachsenousen, campos de concentração criados pelos nazis entre 1939 e 1945, são o exemplo vivo da barbárie que homens loucos, irracionais e diabólicos, são capazes de adoptar como prática de vida, quando a maioria se cala, se acobarda, ou se esquece que tem sempre uma palavra a dizer, um papel determinante nas escolhas que fazem em nosso nome. Há uma realidade dramática que se vive hoje em várias partes do globo e que tem semelhanças mais do que óbvias com o que se vivia há quase cem anos. Recordemos, a título de exemplo, o que se escrevia, nos anos 50, a propósito do estado que o mundo então atravessava:

"A incultura do Homem médio, a incompreensão atroz da realidade, a falta de verdadeira preparação científica e humana, a fragilidade - quando não o deserto árido e inóspito - das suas convições e dos seus juízos, são, na verdade, uma das grandes, das desoladoras desventuras da nossa época. Mais do que a crise económica, mais do que a crise política e social, a crise cultural moderna é um dos maiores obstáculos a uma arrumação racional do mundo, a um entedimento cordial dos povos. Mas este mal, grave e profundo, é remediável se o Homem de hoje, perdido num labirinto de futilidades, irracional e vegetativo, quiser encontrar-se de novo e reconduzir a razão, por um esforço de cultura, ao lugar que lhe compete de condutora da vida"...

Esta opinião podia ter sido escrita hoje, em pleno século XXI. E é do ano de 1957... É pois evidente que é cada vez mais importante o lançamento das bases de uma política de estudo e de ensino que liberte o ser humano, que o ajude a ganhar consciência de que é ele o centro de tudo, de que depende dele e só dele a transformação da realidade, quando decide tomar em suas mãos o destino das suas acções. E colocar também a História no centro das atenções. Recordar o longo caminho percorrido em séculos pela libertação total do ser humano, pelo seu desenvolvimento integral, pela sua condição de actor da realidade e não de mero espectador, que a tudo é obrigado a assistir, sem acção nem reacção.

O esquecimento das muitas lições que a História ensina, a pouca ou nenhuma preocupação em passar para os mais jovens o retrato fiel e verdadeiro do que tem sido a caminhada da Humanidade para se libertar da escravidão, seja ela material ou intelectual, está a ajudar a que as pessoas se tornem cada vez mais vazias, arrastadas pelo obscurantismo, pela ignorância e, como também já sucedeu, pela busca de homens "providenciais"que se revelaram os cultores das maiores tragédias já vividas desde há séculos. Trump e Bolsonaro já resultam de Pinochet, de Reagan e de Thatcher. Que são herdeiros legítimos de Hitler e Mussolini. Que o Mundo conseguiu destruir, depois de morrerem milhões e milhões de pessoas. Que o passado seja ensinado agora, é cada vez mais urgente...