Constata-se também a inclusão de vários actores da sociedade civil, do sector empresarial e da academia na discussão de programas públicos, como por exemplo dos sectores da economia, finanças, agricultura, administração do território e habitação. Isto permite, por um lado, o emergir de uma lógica coerente na intervenção do Executivo, mesmo que, em alguns casos, apenas enquanto intenção e, por outro lado, colocar a sociedade angolana a discutir os assuntos do país.

Entretanto, se são evidentes, ao nível central, os sinais de introdução de reformas, também é clara a incapacidade institucional e a fragilidade metodológica para dar corpo às reformas propostas. São exemplos disso as dificuldades de modernizar a administração pública, as inconsistências com a politica de protecção social e os constrangimentos na monitoria às administrações municipais. É bom referir que isto decorre, também, do modelo de desenvolvimento pós-conflito, baseado nas consultorias internacionais chorudas (haviam muitas divisas para pagar), no descaso às "forças produtivas" locais e na desvalorização dos projectos de pequena e média dimensão. Uma opção que não fortaleceu as instituições, nem possibilitou o aprimoramento de métodos de trabalho que promovessem, por exemplo, as experiências positivas de desenvolvimento comunitário geradoras de resiliência em momentos de crise. Pelo contrário, construiu-se uma relação entre governante e governado assente no culto ao chefe e sem uma perspectiva de construção conjunta e institucional.

A ideia de governar com o povo, lançada pelo ex-presidente Eduardo dos Santos, no fim do seu consulado, dificilmente avançaria num contexto em que não se considera a premissa do cidadão enquanto sujeito de direitos, com vontade própria, portanto com contribuições válidas para assuntos de interesse local. As limitações de método, mas também a concepção de "povo" numa lógica paternalista, cria distorções, como aquela de que governar com o povo é chegar às aldeias, amarrar pano na cintura, dançar e bater palma. Isso é folclore e apesar de ser importante, neste caso deixa de ser relevante se não for associado a actos concretos de diálogo e partilha de poder na resolução dos problemas.

No contexto do nosso país, com os actuais níveis de pobreza rural e periurbano, dever-se-iam evitar enormes delegações governamentais com dezenas de viaturas "Top de Gama" (Lexus e afins) para visitar aldeias pobres, com duas ou três goiabeiras raquíticas e com a população na penúria alimentar. Famílias encarceradas na armadilha da exclusão social têm de colocar as crianças e as mulheres a dançar, ao sol e poeira, desde as 7h30 da manhã para receber a visita que chega às 11h00. Essa prática deveria ser alterada em coerência com a nova abordagem de governação.

Apesar disso, ao nível municipal surgiram várias experiências bem sucedidas de promoção de resiliência e de capital social nas aldeias, envolvendo conjuntamente comunidades locais, administrações municipais e actores não estatais. São disso exemplo: a) a criação das cooperativas e das associações agropecuária envolvidas na transformação da batata doce de polpa alaranjada em bolos e sumos, no município da Cacula; b) a realização de registo de terrenos rurais comunitários no município do Chinguar; c) a dinamização de acções de consulta e prestação de contas no Encontro Municipal da Comunidades do município de Kiwaba Nzoji; d) o empoderamento das mulheres e a alfabetização no município da Ganda e; e) os processos de gestão de caixas comunitárias e fundos rotativos nas comunidades, do município do Bailundo.

O Estado pode utilizar estas experiências para as aprimorar e dar escala, uma vez que os resultados são visíveis. Mas para isso, deve canalizar meios financeiros e materiais e ultrapassar de ultrapassar o preconceito quando se trate de financiar actores e iniciativas nacionais. Se um departamento ministerial, um governo provincial ou uma administração municipal pretender recorrer à experiência ou à capacidade de uma organização ou grupo local, não deve ter prurido em financiar, porque não o fazendo, contribui para a fragilização das instituições locais e compromete a sustentabilidade das reformas em curso, além de passar uma imagem de que o recurso às parcerias locais existe apenas porque não há divisas para contratar consultorias internacionais. Temos

Por fim, sendo evidentes os sinais de elevação do prestigio do Estado angolano a nível internacional, devido a medidas de combate à corrupção e à impunidade e a promoção dos direitos civis e políticos, também é certo que as acções de desenvolvimento promotoras da realização dos direitos económicos e sociais, ainda estão longe de evidenciar resultados concretos.

* Director geral da ADRA