Uma outra característica dos elementos deste núcleo alargado de gente é comentar o trabalho alheio, do alto do seu estatuto, julgando a eito o que lhes possa aparecer à frente e que não gostam. Recorrem então à pressão, a recados, a "conselhos", sem a mínima consideração ou respeito por quem trabalha e, fazendo-o, não pode nunca estar isento de erros, porém sem que se possa pôr em causa a seriedade, o profissionalismo e décadas de prestação de serviço público em múltiplos campos da vida do país.

Interessante como se tratam os mesmos, sempre os mesmos, que ainda não há três anos nos "bombardeavam" por publicarmos opiniões plurais, criticarmos o então estado de coisas e, sem bicos de pés nem autopromoções, cumprirmos, com o rigor possível, aquilo que são os nossos deveres éticos, profissionais e o nosso estatuto editorial. Quando "o vento mudou" e sem surpresas, metamorfosearam-se rapidamente e, em silêncio, passando-se para as bandas onde a aragem sopra agora mais forte, continuaram (e mantêm) a sua vela sempre acesa. Só que agora no sentido inverso, fazendo, porém, o mesmo "trabalho" de sempre.

Há, entre muitos outros, um dano que deixou marcas gigantescas que só o tempo e uma acção vigorosa poderão fazer recuperar: a inexistência generalizada de um código moral de conduta sob o ponto de vista das relações sociais. A imoralidade - pior ainda, a amoralidade com que se adaptaram às circunstâncias e como conduzem a sua vida - obriga-os, permanentemente, a tentar condicionar sempre que podem o trabalho alheio. Principalmente de quem não lhes cai no goto, não é obediente, não baixa a cabeça nem vira servo de coisa alguma que não seja o seu próprio pensamento, a sua própria consciência. A invenção, o recurso à mentira, a pressão mais ou menos encapotada, sempre na sombra, sempre em esconderijos, dando uma no cravo outra na ferradura, são a imagem de marca da qual já não se conseguem ver livres.

Lembrámo-nos de tudo isto por termos acabado de perder um colega. Por sinal, era o mais velho de toda a equipa do jornal, com todas as consequências que daí advinham. Uma delas era o retorno em pensamento a um passado historicamente recente, mas do ponto de vista da vida individual já não tão novo assim. Nos fechos do jornal, tínhamos o nosso Luís Bessa a contar histórias e estórias das suas vivências, da sua juventude - como a de quase todos da sua geração - de militância absoluta, de entrega total, de crença num país diferente, como se estivesse ali à frente, e, se todos fizéssemos por isso, ia ser alcançado com relativa facilidade. Por muitas razões que hão-de ser estudadas (algumas já o estão a ser), não o conseguimos. A utopia deu lugar à desesperança e não nos mostrámos (todos!) à altura do que alcançámos a 11 de Novembro de 1975.

A dimensão humanista e solidária que presidiu à gesta da luta de libertação nacional cedo se quebrou por nossa responsabilidade, por mais que necessariamente tenhamos que nos lembrar das pressões políticas do exterior, das invasões sul-africanas ou do interesse das grandes potências em terem Angola à sua inteira disposição.

Teremos deixado o caminho aberto para os homúnculos, mal as gerações que sabiam o valor da dignidade, da moral e da verticalidade começaram a desaparecer. Nós, como facilmente se compreenderá, seguiremos sendo fiéis aos compromissos assumidos por este jornal desde a sua criação. Continuaremos a agradar e a desagradar, consoante as tácticas e as estratégias dos homúnculos.

Temos pena, mas já é demasiado tarde para mudarmos. E, lembrando o nosso eterno companheiro de muitas noites e madrugadas, aqui fica um dos recados que gostavas tanto de dar, Luís, ainda que, reconheçamo-lo, tenha um carácter muito classista: "Não vá o sapateiro além da chinela".

Até sempre, Companheiro