Não sendo a pré-campanha parte de um articulado revisto na referida lei, é estranho que - ignorando um conjunto de situações da actualidade política particularmente preocupantes - se comece já a cobrar dos órgãos de comunicação públicos o respeito pelo princípio de igualdade de tratamento na imprensa no âmbito eleitoral, quando pensamos haver factos muito mais graves a acontecerem a cujos políticos, de um modo geral, deveriam prestar maior atenção e fazer constar da sua agenda para reflexões mais aturadas, para debates públicos acesos, juntos da sociedade civil, académicos e outros actores sociais, que nessa fase, em nome sobretudo da transparência, da lisura do processo eleitoral e da justeza, são de todo recomendáveis.

Se vamos, portanto, partir para um novo pleito eleitoral, do qual resultará a eleição de novos deputados e a renovação de outros, será no mínimo uma atitude decente que, nesta altura em que a legislatura está ainda em pleno exercício, se comece a dar o devido respeito ao cidadão eleitor, começando por lembrar aos deputados, ou mesmo à Assembleia Nacional, que ela enquanto tal não está acima dos interesses dos cidadãos, mas que cada uma daquelas figuras presentes no hemiciclo está lá em nome dos mais altos interesses dos eleitores, pelo que não faz sentido o próprio Parlamento impedir deliberadamente a transmissão dos debates da plenária, por exemplo. Mas disso ninguém reclama tempo de antena!

Um outro caso, mais grave ainda, que deveria ocupar inúmeras páginas nos jornais e ser provavelmente espremido até ao mais ínfimo pormenor por juristas e políticos a quem ainda se reconheça alguma decência, tem que ver com um problema - chamemos-lhe um problema - político-legal, mas que passou a ser tratado por "mero capricho ético" (a expressão é nossa). Pelo qual nenhum político pede espaço de antena para continuar a discuti-lo. Mas, entretanto, cobra-se hoje igualmente de tratamento pelo período de "pré-campanha".

O caso: O acórdão do Tribunal Constitucional sobre o processo de fiscalização sucessiva, apresentado pelos partidos na oposição, reconheceu o Ministério da Administração do Território como um órgão da administração eleitoral, para justificar o facto de o processo de registo eleitoral estar a ser conduzido por um órgão do governo (o MAT). Entretanto, ao olharmos para a Constituição, o artigo 145, alínea c), diz claramente que são inelegíveis "os membros dos órgãos de administração eleitoral".

Em situação normal, era suposto quer a imprensa, quer os políticos, bem como os intérpretes do direito desbravarem caminhos, mas percebe-se mais um conformismo alimentado por silêncios!

Para tornar a questão mais interessante ainda, e até certo ponto rocambolesca, o titular da pasta do Ministério da Administração do Território decidiu transferir o debate para a esfera ética e ignorar as implicações político-legais, ao propor que "está de acordo com a questão da subordinação da política à ética, quando aplicada a todos", e questiona: "Isso só se aplica ao actual titular do Ministério da Administração do Território? Ou deve ser aplicada a todos os integrantes das listas presentes ou futuras que serão submetidas às eleições?", apontando como exemplo "os deputados que igualmente apreciam matérias legislativas eleitorais, sendo igualmente parte de partidos concorrentes às eleições".

Ora, se não tivéssemos lido e ouvido pela segunda vez esse discurso e essa inversão da questão na primeira pessoa, teríamos alguma dificuldade em acreditar que o responsável do MAT tivesse feito tal afirmação. Olhemos para a questão de fundo: Primeiro, ao colocar a questão nestes termos, estará o senhor ministro a propor que doravante as leis sejam aprovadas por entes apolíticos e longe dos marcos constitucionais?

Convém irmos à origem do mandato dos deputados. Felizmente, os deputados não o fazem em nome de um interesse pessoal mas, sim, mandatados por um eleitorado. No caso do registo, o titular do MAT atende, sim, a esse mandato, mas a partir do momento em que é candidato à Vice-Presidência entra em conflito de interesses, porque não se sabe ao certo se se está a servir ou ao mandato que lhe foi conferido.

Por outro lado, a declaração, além de ser atentatória, remete-nos a todos para um nível de imbecilidade que nos leva a questionar se de facto estamos perante uma declaração política que mereça ser levada a sério.

Se os deputados não podem tratar de matérias eleitorais por serem eles membros de partidos políticos, o ideal é que passemos a entregar esta competência aos médicos, mecânicos, engenheiros, académicos, e já agora aos activistas cívicos e políticos.

E se há uma coisa mais estranha em tudo isto é o silêncio dos intérpretes do Direito, que dá a ilusão de que ou estamos muito bem no que a essa questão da alegada violação da Constituição diz respeito ou porque algo de muito mais grave está a acontecer que ninguém tem a hombridade de vir publicamente denunciar.

Que há aqui claramente uma inversão de valores, numa altura em que os políticos estão mais interessados em reclamar do espaço para a pré-campanha do que propriamente para os debates em plenária e o assunto do árbitro e jogador ao mesmo tempo do MAT.

Era importante compreender a dimensão mais política e legal do envolvimento do MAT no processo de registo eleitoral. Era suposto tudo isso implicar o deflagrar de um permanente debate político, promovido não só por políticos da situação como da oposição, bem como os próprios órgãos de comunicação social deveriam igualmente analisar a questão ao detalhe, de modo que possa ficar esclarecido que não se trata de um atropelo à Constituição, mas de uma questão, como diz o próprio ministro, de princípio ético que deveria ser transversal quer a ministros, quer a deputados, de resto, uma ideia com a qual particularmente não concordamos.