Há pouco mais de ano e meio, quando tomou de assalto a Sonangol, tive a oportunidade de alertar a opinião pública sobre algumas incursões perigosas em que Isabel dos Santos, a "fogo e fúria" trumptista, poderia perigosamente incorrer. E incorreu.

É claro que não fui ouvido. É claro que não esperava ser ouvido. É claro também que hoje nada do que está a ser destapado na Sonangol me surpreende. Nada que perante tão "transparente" gestão não viesse a expor agora o gato escondido com o rabo fora. Para que conste, recordo aqui o que então avisei:

O período de graça composto pelos primeiros 100 dias da Eng.ª Isabel dos Santos à frente da Sonangol entra agora para um período sem graça.

A sua entrada de rompante tanto pode marcar um ponto de viragem, desmantelando interesses instalados, como pode vir a redundar em bricolagens sem quaisquer créditos dentro e fora do país.

É claro que aplaudo a Eng.ª Isabel dos Santos quando decide pôr fim a vícios crónicos, que faziam da Sonangol um Estado dentro doutro Estado, hoje em estado de "mestastização"...

Aplaudo-a também ao propor-se a estancar o brilho de um raiozinho de loucura que, na posse dalguns "príncipes" do antigo edifício do Pólo Norte, fez da Sonangol uma autêntica "candy shop"!

Não deixo ainda de estar ao seu lado ao concentrar a actividade da nossa petrolífera exclusivamente no seu "core business": pesquisa, produção e distribuição de combustível. Desse ponto de vista, estou inteiramente ao lado da Engª Isabel dos Santos.

Os seus dois últimos antecessores, primeiro o Eng.º Manuel Vicente e depois o Dr. Francisco Lemos José Maria, tiveram os seus momentos de bonança. E logo a seguir também os seus momentos de desgraça.

O último, centralizador, acabou por embrulhar a Sonangol numa trapalhada burocrática incompatível com a dinâmica da indústria petrolífera. É verdade que começou a estancar o derrame, mas quase que acabou por asfixiar os sobreviventes e a própria companhia. Não deveria ter ido por aí...

À liderança do Eng.º Manuel Vicente deve-se, sem dúvida, por outro lado, o mérito de, à pala da alta do preço do barril do petróleo, numa década, ter proporcionado a gigantesca expansão e internacionalização da Sonangol.

Mas o engenheiro electrotécnico que veio da antiga Sonef não cometeu erros? Sem dúvida que sim! Resvalou em derrapagens e, ao ter sido demasiado expansionista, esse expansionismo pessoal expôs a sua imagem a uma fragilidade verdadeiramente confrangedora, tornando-o hoje politicamente vulnerável. Foi demasiado ingénuo e essa ingenuidade, expressa na cega e ilimitada confiança depositada nalguns dos seus "homens de caserna", redundou na perda de controlo do gigantismo da Sonangol, tornando-o hoje eticamente indefensável. Em ambos os casos, não deveria ter ido por aí...

Mas é providencial não esquecermos que algumas das grandes decisões de alto risco por si assumidas, e que no passado mereceram o elogio dos que hoje o criticam e o tratam como um "leproso incurável", tiveram sempre o "agreement" do poder político.

Quem durante trinta e oito anos foi dono e senhor absoluto desse poder? José Eduardo dos Santos...

Muito do que fez, fê-lo ao abrigo de um contrato de confiança, fê-lo com a cumplicidade do detentor desse poder e, por isso, lavar as mãos como Pilatos, remetendo-o para as trevas do inferno, não parece ser o melhor caminho.

Muito do que fez, nalguns casos fez porque o detentor desse poder queria que se fizesse. Noutros casos, fez porque o Estado não tinha como fazer de maneira diferente.

Mesmo que o contrato de confiança, escrito a lápis, esteja agora a ser apagado, a Eng.ª Isabel, na sua cruzada, ao sentir-se tentada a imputar responsabilidades exclusivamente às anteriores Administrações pelo estado a que hoje chegou a Sonangol, não se deve esquecer de lançar, com memorialismo, um olhar fundo sobre o subterrâneo de cumplicidades que lubrificaram interesses do Estado e particulares, guardados hoje a sete chaves...

Por isso, perante alguns arrufos "bolcheviques", eu diria: Eng.ª Isabel, faça a cirurgia com pinças e afaste-se dos que pretendem vê-la embrenhada numa política de terra queimada, pois, indo por aí, pode vir a abrir feridas que nunca mais poderão vir a cicatrizar e pode vir a alimentar ódios insanáveis.

Não, não vá por aí porque é um caminho cheio de minas e armadilhas. As lâminas da tesoura estão a ser abertas para cortar, a direito, o passado.

Abra, porém, essas lâminas com cuidado porque se forem fechadas à força, como adverte o grande Vasco Pulido Valente, poderão não se fechar em paz.

Volvido ano e meio, Vasco Pulido Valente, que nem sequer conhece a Sonangol e muito menos os seus derivados, tinha razão...

Não cuspa no prato que lhe deu de comer - via Mercury - para que pudesse hoje ter meio mundo a falar através da... sua galinha dos ovos de ouro: a Unitel. Não, Eng.ª Isabel, não vá por aí...

Estanque a euforia de "gente perigosamente credível" que, importada directamente das universidades em Portugal e rodeada de "orações incompletas e de advérbios desnecessários", parece perceber tanto de indústria petrolífera como eu de indústria espacial...

Não deixe que alguns dos seus colaboradores confundam a gestão de uma empresa com a dimensão e a complexidade da Sonangol com a gerência de um centro comercial ou com a venda, na rua, de cargas telefónicas.

Seja agressiva, mas não dê margem a que tomem a agressividade por agressão. Imponha autoridade mas não deixe que pensem que é autoritária. Não, Eng.ª Isabel, não deixe que pensem isso de si.

Passado ano e meio e indo em sentido contrário, hoje toda a gente pensa exactamente isso de si!

Não perpasse para a opinião pública a ideia (falsa) de que tudo o que foi feito pelos seus antecessores foi mal feito. Veja nos erros dos outros, uma oportunidade para não repetir, de outra forma, os mesmos erros. Vá por aí.

Não seja como muitos outros, que, chegados a um posto, entendem que o melhor caminho a seguir é partir tudo e começar do zero. Não, Eng.ª Isabel, não vá por aí...

Não se esqueça que os quadros são os ovos da companhia. Não importa que tenham sido admitidos no consulado do Eng.º Manuel Vicente ou que tenham ingressado no tempo do Dr. Francisco Lemos.

Conhecendo seguramente Jack Welch, o "Sr. General Electric", apesar desta minha convicção, partilho aqui uma citação dele repetida em várias escolas de gestão: "um líder não é alguém a quem foi dada uma coroa, mas a quem foi dada a responsabilidade de fazer sobressair o melhor que há nos outros".

Não se esqueça, por isso, que sem muitos dos quadros que encontrou na Sonangol, não conseguirá nunca fazer omoletas.

Exerça o poder mas não subestime, lá fora, o mercado nem sobrevalorize ocasionais vitórias de pirro como aconteceu com o negócio com o grupo de Belmiro de Azevedo ou com o braço de ferro em torno dos dividendos devidos à Portugal Telcom, detida agora pela brasileira OI. Não, Eng.ª Isabel, não subestime essa gente.

Não tome por fraca gente poderosa lá fora e, cá dentro, não menospreze a inteligência e as capacidades de quem melhor conhece a companhia. Não, Eng.ª Isabel, não vá por aí...

Indo em sentido oposto, desprezando tudo e todos, corre o risco de um dia vir a ser a peça principal de um famoso best-seller escrito por um dos seus serviçais de momento...

Não se esqueça que a Sonangol é uma empresa pública. Logo, antes de ser acionista lá fora, na petrolífera nacional é apenas uma gestora, por sinal a mais alta responsável da maior empresa do país e a quem, amanhã, serão pedidas contas pelo sucesso ou pelo fracasso da sua passagem por lá.

Dê passos em frente sem pisotear o que ficou para trás. Atente na validade do legado dos seus antecessores e não se fixe nas miudezas. Projecte o futuro e não se atormente com o passado. Não, Eng.ª Isabel, não vá por aí...

Não se esqueça de que, se "um mau fim pode anular uma bela vida", a cadeira que hoje ocupa amanhã será ocupada por uma outra pessoa. Um dia alguém há-de perguntar como foi que passou de administradora não executiva a "dona daquilo tudo".

E, nessa altura, veremos se somos na verdade "especiais" ou se o nosso ADN é ou não igualzinho ao dos outros africanos ou se já deixamos de ser aquilo que, teimosamente, insistimos em continuar a ser: arrogantes, irresponsáveis, vingativos e convencidos!

E lembre-se que o nosso pedantismo hoje já não serve para nada. Por isso, a Eng.ª Isabel não pode perder de vista que, nos tempos que correm, o tempo em que o petróleo servia para Angola chantagear meio mundo acabou. Definitivamente acabou.

Para a Eng.ª Isabel, esse tempo parece continuar em alta. Vê-se que não se apercebeu do que se passa à sua volta. Vê-se que não lê Jack Welch. Paciência. Já não há nada a fazer...

Texto publicado na edição n.º525 do Novo Jornal, de 16 de Março