A qualquer hora podíamos ser acusados de coisas falsas, como eu fui. Estava no auge a actividade da OCA e o «chamado» fraccionismo.

Corria o ano de 1977. Por qualquer fantasma passado na cabeça do então ministro da Informação, João Filipe Martins (já falecido), expulsou-me da RNA. Diga-se a verdade que eu conhecia muitos membros de qualquer das organizações em actividade, mas era completamente mentira que eu pertencesse a alguma delas!

Foi então aberto um inquérito na Rádio Nacional de Angola.

Então, eu, sem trabalho nem meios de subsistência, fui procurar como ganhar a vida. E foi por acaso que um amigo me perguntou se queria assumir a gerência duma fábrica. Aceitei, é claro.

Era uma fábrica com algumas centenas de trabalhadores.

Confecções em malha de algodão, produzido em Angola, e tinha também tecelagem e tinturaria.

Eu apenas sabia pregar botões e mal...mas estava ali para motivar e organizar os trabalhadores, e, para isso, eu sentia-me à vontade.

Eram tempos difíceis, porque não havia nada para consumir. Os kwanzas que ganhávamos não serviam para quase nada. Tinha mais valor a troca directa que o dinheiro.

Comprávamos o algodão para a fábrica, transformávamos em fio na fiação e passava para a tecelagem. Depois a malha era entregue na secção de confecções onde fazíamos as camisolas, blusas, polos, etc.

Os dirigentes dos clubes de futebol e outras modalidades vinham ali buscar as camisolas. Vestimos centenas de atletas em todo o País.

Mas começava a existir um grande problema naquele tempo. Acontecia sempre a falta de alguma coisa:

Ou a luz (até hoje...) Ou a água (até hoje...) Ou a tinta

Ou agulhas.

Ou...sei lá que mais.

Mas havia sempre a força de vontade para darmos solução a tudo. E conseguíamos!

Estávamos a construir um País novo!

Éramos independentes há dois anos e pouco e queríamos vencer as dificuldades para construir um País melhor.

E todos juntos formávamos uma grande família.

Eu, todos os fins-de-semana, ficava em casa de algum operário- amigo para «farrar» toda a noite.

Não posso esquecer que havia o recolher obrigatório, que começava à meia-noite e terminava às 7h da manhã.

E assim fiz muitos amigos. Grandes amigos com quem, os vivos, claro, ainda mantenho contacto.

A senhora mais idosa da Fábrica, a Mamã Don"Ana, adoptou-me. Protegeu-me. Cuidava-me. Ela tinha nascido em Luanda, no Sambizanga.
Continua na próxima edição