A taluda dos nossos dias, amarrotada nas câmaras escuras das caixas fortes dalguns bancos aqui criados nas últimas duas décadas, obedece a trapaças de gangues.
Hoje, a nossa taluda bancária está em baixa, mas já esteve em alta. Escalar e atingir o cume do monte Kilimanjaro era fácil. O céu não era o nosso limite.
A banca era, para nós, o negócio do século. O dinheiro a fé. Os sermões o analgésico. O lucro a religião. E alguns bancos as novas igrejas.
Alimentávamos sonhos de grandeza assentes numa estrutura de barro. Onde nascia um sonho logo víamos ouro. O tempo parecia de brincadeira mas, na verdade, não era e ninguém acreditava que não era.
Insistimos em brincar tanto que acabámos por esmurrar a cara na parede. Insistimos em brincar tanto que acabámos por espatifar os nossos recursos.
Insistimos em brincar tanto que acabámos por delapidar o nosso sistema financeiro. Brincámos tanto que ficamos com os ossos e os bifes foram servidos a terceiros.
Brincámos tanto que ficamos sem os dedos e os anéis voaram para o outro lado do Atlântico.
Brincámos tanto que nos transformamos em campeões da corrosão da normalidade.
A taluda bancária montou a tenda num paraíso em que todos os meios justificavam os fins.
Um paraíso em que empresários e políticos caloteiros não se preocupavam com os empréstimos subterrâneos porque estavam e estão - como toda a gente - protegidos por uma cordilheira de arame farpado: o segredo bancário.
Mas o paraíso que guarda(va) esse segredo não é um paraíso qualquer. É um paraíso que alberga crimes económicos e financeiros altamente inflamáveis, mas toda a gente finge desconhecer os seus autores.
É um paraíso em que ninguém é condenado e, na maioria dos casos, nem sequer há arguidos. É um paraíso onde ninguém sabe do paradeiro da justiça.
É um paraíso onde os criminosos são inocentes e os inocentes são criminosos. Esta é a ortodoxia da nossa taluda bancária.
Como ninguém conhece o endereço dos órgãos de justiça, até prova em contrário, ninguém pode assacar, a quem quer que seja, responsabilidades criminais.
Porque, até à condenação definitiva, toda a gente goza do princípio da presunção de inocência. É assim que funcionam os Estados de Direito.
Mesmo que a presunção de inocência não tenha sido, como não foi, capaz de afastar o que parecia ser uma simples ameaça à vida de milhares de famílias.
Essa ameaça, invisível e inodora, era aparentemente inofensiva porque não exibia armas de fogo.
(A crónica de Gustavo Costa pode ser lida na íntegra na edição nº 478, nas bancas, ou em digital, pagando a assinatura do Novo Jornal no Multicaixa)