As sucessivas crises do ultraliberalismo económico - que, como toda a gente sabe, tem defensores teóricos bem conhecidos e se fundamenta numa ideologia que, por via das novas tecnologias, com facilidade vai entrando na cabeça dos mais incautos, incultos ou dos que têm como objectivo tirar proveito delas - encontram eco na mais absoluta demagogia, em meia dúzia de palavras fáceis e entrando no âmago dos problemas reais das vidas das pessoas. Repare-se como vêm sendo utilizadas as consequências das sucessivas crises que o capitalismo deslocalizado e descontrolado enfrenta e que só consegue fugir para a frente, piorando as situações de grande parte dos países, em especial os mais pobres, para responsabilizar exactamente os pobres, os explorados, as classes mais desfavorecidas (que eufemismo interessante que também nós utilizamos...).

A promoção do racismo e da xenofobia, o desemprego, a diminuição da qualidade de vida, os dramas da juventude e da velhice, a perda do poder de compra por parte das classes médias, os graves problemas demográficos, na Europa e na América do Norte, têm trazido como resultado a chegada ao poder de partidos da extrema-direita, alguns até assumidamente nazis ou fascistas.

É fácil encontrarem um espaço largo de manobra, quando, falsa e insidiosamente, alguns políticos atribuem à imigração, aos estrangeiros, aos que vão ser, afinal, cada vez mais essenciais para a manutenção dos níveis de vida que alcançaram ao longo de seis décadas depois da 2.ª Guerra Mundial, a razão de ser de todos esses males.

A chegada ao poder de figuras ridículas, absolutamente incapazes do ponto de vista intelectual, mas que nem por isso se tornam menos perigosas, bem pelo contrário, demonstra bem que os neoliberais estão de cabeça perdida e, não querendo perder os seus privilégios nem ser conduzidos às barras de um qualquer tribunal, preferem pôr o mundo à beira de um ataque de nervos (e de possíveis guerras) a cederem na sua ambição e na sua desmedida ânsia do lucro fácil sobre o trabalho da esmagadora maioria. E não é de agora. Tal fenómeno já tinha varrido a Itália há uns anos, com Berlusconi, e consegue agora a sua consagração com o poder esquizofrénico de um comerciante multimilionário sem escrúpulos como é Donald Trump.

A ausência de projectos políticos claros e transparentes, o recurso a um discurso totalmente incoerente, sem sentido, em que se misturam meia dúzia de disparates que caem bem nos ouvidos das populações, a recusa de mecanismos de controlo por parte de quem dirige as instituições bancárias e financeiras, a descrença dos cidadãos na possibilidade de serem autónomos e intervenientes (recorrendo às religiões) e o esgotar dos partidos que durante muitos anos escolheram o centro ideológico abrem caminho com facilidade ao gasto e falso refrão de que "as ideologias morreram".

Mesmo nas nossas circunstâncias concretas, há quem já vá tirando partido disso, procurando adaptar à nossa realidade concreta o recurso aos mesmos métodos e formas de organização. Ainda não há muito tempo, demos conta da existência de um grupelho fascista que se intitula defensor da velha trilogia de salazar (deus, pátria, família), faltando a expressão autoridade, que sabemos bem o que quer significar. Omitimos o nome propositadamente por razões de higiene mental. De uma forma ou de outra, acabamos por pagar os salpicos dessa guerra que não é nossa, que não pedimos nem queremos.

E é preciso cuidar disso. É preciso que a relação entre a classe política e as populações seja cada vez mais directa e permanente. Que a concertação e a decisão dos poderes públicos sejam explicadas a todos. Que a comunicação flua de forma cada vez mais rápida, assertiva, de fácil compreensão e entendimento. Afinal, cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.