Empolgados pela dimensão do combate à corrupção, os poderes públicos esqueceram-se que a espiral de desemprego acabaria por matar a esperança daqueles que alimentaram altas expectativas em torno de uma promessa que João Lourenço haverá de carregar até ao fim do seu mandato: a criação dos 500 mil postos de trabalho...

Entusiasmados pelo apoio popular que a cruzada contra a impunidade começou a granjear, os poderes públicos esqueceram-se que a barriga vazia é bem mais devastadora a corroer a alma das pessoas do que os danos provocados pela nossa miserável cleptomania.

Esqueceram-se que o desemprego fala mais alto do que todas as restrições associadas ao estado de calamidade decretada pelas autoridades.

Ao analisar o desempenho do Governo, o MPLA precisa, pois, de reflectir não só sobre o que fazem o seu Gabinete para a Cidadania e Sociedade Civil e alguns membros do seu Secretariado, como de saber responder também aos problemas dos jovens, em vez de lhes responder simplesmente por impulso.

Ao subestimar a fome e o desemprego, as autoridades acabaram por incorrer, desta forma, num pecado capital: agiram com mais músculo do que cérebro.

Primeiro, ao precipitar a entrada em vigor de um decreto que visava matar, por antecipação, uma reivindicação social, hiperbolizaram uma manifestação que não tinha a dimensão que acabou por lhe ser dada pelas próprias autoridades.

Segundo, responderam de forma desproporcionalmente gravosa à opinião pública, às investidas arruaceiras desencadeadas por alguns jovens integrantes das manifestações.

Terceiro, perderam a cabeça ao procederem à detenção arbitrária de jornalistas, cedendo a uma musculada tentação para o cerceamento da liberdade de imprensa.

Por último, ao promoveram um julgamento sumário que se prolongou para além de tempo regulamentar, não deram conta que estavam a empurrar o Presidente para os braços dos manifestantes.

Agora, o país tenta apanhar os cacos de uma revolta que, conferindo legitimidade às reivindicações dos manifestantes, acabou por lhes retirar credibilidade a partir do momento em que decidiram trocar o diálogo civilizado pela violência e pela vertigem do ódio.

Agora, o país tenta apanhar os cacos de uma revolta que também não viu, da parte da UNITA - enquanto maior partido da oposição - uma atitude de clara equidistância em relação aos tumultos praticados pela fúria de alguns manifestantes.

Perseguindo (legitimamente) o poder, com essa atitude, a UNITA arrisca-se a ser vista como cúmplice de arruaças e a ficar fragilizada diante de uma elite urbana que detesta a berraria e a raiva e não poupa críticas a quem atenta contra os bens privados. Dir-me-ão que cumpriu o papel de quem aspira ao poder. Isso já sabíamos, mas dela esperava-se mais. Muito mais...

Diante da crise pandémica, a abertura democrática está, desta forma, a expor os nossos poderes e contrapoderes diante do espelho das suas próprias contradições.

Quando deles se esperava que estabelecessem um pacto que conciliasse a preservação das liberdades democráticas e a protecção da saúde pública, de ambas as partes emergiram excrecências da velha cultura exterminista.

Faltou, pois, diálogo e bom senso em torno de uma agenda nacional de compromisso para uma abordagem alargada e séria de problemas cruciais dos cidadãos como o desemprego, a carestia de vida ou a pandemia.

A ausência desta cultura de compromisso nacional surge como herança de um sistema político anquilosado onde os seus agentes, à direita e à esquerda, não olham a meios para atingir os fins.

Afinal, são muitos anos a ler as mesmas cartilhas e muitos anos a ouvir as mesmas cantilenas. Afinal, são muitos anos a obedecer às mesmas regras e muitos anos sujeitos aos mesmos rituais.

Afinal, são muitos anos a consumir as mesmas intrigas e muitos anos a ter Maquiavel à cabeceira da cama...

Agora, cabe às lideranças dos nossos partidos políticos compreenderem que dirigem agremiações que acabaram por não resistir à volúpia do capital.

E não resistindo a essa volúpia, mais despudoradamente umas, mais disfarçadamente outras, todas elas acabaram por dar lugar a uma constelação de "sociedades comerciais anónimas" que formam hoje o nosso "sindicato multipartidário".

A nossa cartografia política assiste, assim, à

conversão do capital na ideologia dos nossos partidos, a comercialização da sua doutrina como moeda de troca para angariação de assalariados e a colocação de representantes das suas elites na cúpula accionista.

Os nossos partidos, nos seus códigos e na sua linguagem esteriotipada, vêm-se expondo, desta forma, como uma tribo de compadres e amigos ligados entre si por interesses meramente corporativistas.

Os nossos partidos, submersos num mar de dinheiro, transforam-se em casinos onde as principais regras de jogo passaram a ser a mentira, o oportunismo, a chantagem, a manipulação e a fraude.

Os nossos partidos carregam, por isso, uma casta de políticos que aspira a ser rica, mas que não consegue senão ser uma corporação de gente endinheirada.

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