Sem ter sido professor da "Universidade de Catambor" ou ter frequentado a Ecole de Hautes Etudes des Sciences en Sociales de Paris, qualquer aprendiz de sapateiro da era pós-moderna concluirá que, no plano político, económico e social, os moldes do século XX hoje estão completamente em desuso.

Mas, concluirá também, que a insistência no seu recurso ao longo de dezena de anos de (des)governação, tem-nos levado a dar passos maiores do que a perna...

Ter alfaiates com noção de espaço fora da medida, por aqui, não é problema. E calçar um sapato mais comprido do que o tamanho do pé, por aqui também não é de agora.

As passadas em descompasso vêm de longe. Lembro-me de um tempo de um dia 21 de Maio de 1977, em que, em pleno Pavilhão da Cidadela Desportiva abarrotado de militantes do MPLA, Agostinho Neto apresentava à plateia um grande combatente anti-colonial - Carlos Rocha, "Dilolwa" - que, "apesar de ser um pouco preguiçoso", era um dos "melhores economistas de África"...

O que Agostinho Neto não disse foi que experiência o seu antigo companheiro - mais tarde ostracizado - cultivara na Europa ou na guerrilha para dirigir uma das economias mais pujantes do continente, 14 anos depois de ter regressado a um país que mal conhecia...

Sabem o que é que nos aconteceu?

Passámos a nivelar a sociedade por baixo e nunca mais nos conseguimos diferenciar. E ainda houve um tempo para querer adoptar uma proletarização generalizada da sociedade...

Noutro extremo da contenda, para acabar com o racismo, exigia-se aos gritos na nossa "praça vermelha" que os brancos, ao lado dos pretos, passassem a varrer as ruas.

Sabem o que é que aconteceu?

Os brancos, na sua maioria, foram embora, mas o racismo, em vez de desaparecer, passou a tresmalhar-se em várias cores...

A pátria mudou de propriedade, mas as diferenças entre uma classe social, a classe dos novos oligarcas - a única que tinha estatuto para ter "classe" - e o resto nunca foi tão obscenas como agora...

A chegada de um novo regime político fez mudar, em várias áreas, os tempos e as vontades. Herdeiros de passos trocados no domínio do ensino superior, passámos a prestar vénias às universidades de vão de escada que, sem qualquer substracto pedagógico, andam agora a despejar para o mercado de trabalho um exército de licenciados que, sem quaisquer aptidões, não consegue enfrentar os mais elementares desafios profissionais.

A troca de passos também chegou ao poder judicial. Aqui, o Tribunal Constitucional chumbou o PRAJA como designação do partido de Abel Chivukuvuku por alegadamente se poder confundir com PRJA, a Comissão Instaladora de um partido extinto em 2006...

Esqueceu-se, porém, de fazer o mesmo com a ARDA - um parónimo de ADRA cuja designação começa exactamente pela mesma palavra - acção.

A oficialização da ARDA vem assim lançar uma clara e desnecessária névoa de confusão entre esta e a ADRA - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, uma das mais credíveis e prestigiadas Organizações Não-Governamentais que actuam em Angola há 30 anos. Com boa vontade o passo não poderia ter sido travado?

A viagem em passos trocados das nossas instituições não pára, porém, por aqui. Na saúde, a força do marketing político ao remeter para a clandestinidade a contaminação comunitária que se faz sentir a luz do dia, ergue-nos solenemente perante o mundo como um dos países proporcionalmente com mais ventiladores do que testes realizados.

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