A transição multipartidária marcou um conjunto de mudanças que ocorreram no País pela possibilidade de abertura do espaço público, com o surgimento de vários partidos políticos, associações cívicas, sindicatos, rádios, jornais privados e ONG. Estas últimas, ao mesmo tempo com acção no campo humanitário, foram dinamizadoras de novas arenas de discussão dos assuntos de interesse local e nacional, bem como impulsionadoras da chamada sociedade civil angolana.

No que respeita às dinâmicas da sociedade civil, para além das ONG, num período mais recente, há a salientar o surgimento de grupos teatrais de intervenção social; o movimento de grupos de música rap, também de intervenção social; os movimentos de jovens activistas, alguns conhecidos por "revolucionários" (dos quais se destaca o integrado pelos jovens do processo apelidado de 15 + 2 quinze mais duas); as associações de moto-táxi, vulgo kupapatas e de taxistas, com crescente peso na sociedade, grupos feministas e individualidades. Estes diferentes actores e mecanismos de actuação, acrescidos do peso das redes sociais na circulação de informação, podem ser considerados novas formas de ocupação do espaço público.

A nível local, a estruturação de mecanismos de participação funcionais tem enfrentado grandes desafios, o que pode explicar, em parte, o insucesso de determinadas políticas públicas de desenvolvimento municipal. Na literatura, abundam exemplos demonstrativos de que elevados níveis de engajamento dos cidadãos, contribuem de modo decisivo para a efectividade dos programas e, em contextos como o de Angola, com uma longa história de diferentes formas de exclusão, os elevados níveis de participação representam oportunidades de inclusão e reconciliação nacional. Ao longo dos anos de Independência, foram estruturados mecanismos de participação protagonizados pelas administrações municipais e por organizações de cidadãos. De entre os espaços dinamizados por entidades não-estatais, destaca-se o Encontro das Comunidades, uma plataforma dominada por pequenos agricultores, surgida na década de 90 da ONG ADRA, com vista a favorecer diálogo e negociação entre a administração local do Estado e as organizações comunitárias; contribuir para a afirmação de instituições comunitárias que possam funcionar como espaços de participação cidadã e vivência democrática. Estes encontros ocorrem em 26 municípios de seis províncias. O encontro das comunidades tem-se mostrado como um espaço de reforço de organizações locais, desde as associações de camponeses às organizações como as uniões de associações e cooperativas, com uma dimensão municipal e uma articulação que se estende para outros municípios e províncias. É dos poucos (nalguns casos, o único) espaços no município onde as administrações municipais discutem os programas em implementação, sem estar na condição de comando (diferentemente do que acontece nos Conselhos de Auscultação e Concertação Social - CACS).

Trata-se de um formato em que os membros das administrações estão, portanto, sujeitos ao escrutínio popular, permitido pela constante interacção entre sujeitos colectivos, de facto, e o poder legitimamente instituído.

Este encontro complementa algumas das funções dos conselhos de auscultação dirigidos pelos administradores municipais, uma vez que naqueles espaços são convidados, na lógica do "invited space" abordado pelo cientista político americano Robert Putnan, e segue as regras estabelecidas pelos "donos" do espaço que, maioritariamente, são pequenos agricultores, ou seja, o espelho da esmagadora maioria da população do município. Este perfil de espaço tenta superar a crítica apontada às várias iniciativas de diálogo local ocorridas, relativamente à representação dos agricultores que são a maioria do município.

Estes dois espaços em funcionamento (em complementaridade) alargam a participação e podem materializar, a nível local, elementos do modelo de democracia consensual.

Por outro lado, a constatação de que os mecanismos formais do Estado são ainda limitados, a democracia formal incapaz de atender às necessidades concretas das populações e as eleições insuficientes para concretizar a participação, no caso de países em situação de pós-conflito e em desenvolvimento, como é Angola, deve conhecer-se e entender as dinâmicas organizativas locais (promotoras do engajamento de grupos que, de outra forma, estariam excluídos), para que sejam adoptadas medidas políticas, no sentido de maximizar o seu potencial de contribuição para o desenvolvimento local.

Este espaço pode concretizar ainda o preceito constitucional relativamente a um dos pilares do poder local, nomeadamente "as outras formas de participação dos cidadãos" (CRA/2010, artigo 213.º, n.º 2). Pode ser adaptado para outros municípios, uma vez que a diversidade do País sugere a adopção de estratégias diferenciadas para materializar a ideia de participação dos cidadãos no contexto do poder local.

É claro que a longa tradição de governação top down - de cima para baixo - do País exige um processo de aprendizagem quanto aos métodos participativos. Também é certo que a articulação do encontro das comunidades com outras formas de participação - reguladas por lei - representa uma das formas de materializar a governação com o cidadão, em vários contextos de Angola. Para isso, torna-se essencial que, nas diferentes iniciativas de políticas públicas, sejam considerados e estimulados, permitindo, assim, que as pessoas e grupos se sintam encorajados a participar e a contribuir com o seu conhecimento e experiência da realidade. Portanto, pode-se considerar que, apesar dos diversos obstáculos, a nível local emergiram actores e espaços que podem jogar papel importante na estruturação de um modelo de governação local concertado e descentralizado.

*Director do FAS