Um primeiro problema, à partida muito complexo, perigoso até, é a visão estupidificante que resulta, por exemplo, em processos eleitorais onde vencem os que vendem essa tese (como é o caso de Trump nos EUA). É, infelizmente muito comum, entre demagogos e saudosos das ditaduras.

Trata-se de considerar a classe política como algo de que é possível prescindirmos. Porque abre caminho aos que, dizendo-se apolíticos, acabam por conseguir sobrepor-se às próprias instituições democráticas, tomando o poder pela via de um voto inconsciente, manipulado, não assente em fundamentos claros e aproveitando a vaga alimentada pela ignorância, pelas mentiras tornadas verdades e pelo lixo que prolifera em grande parte das mentes que vagueiam pelas redes sociais.

Um segundo problema, tem a ver com uma concentração exclusiva nos escândalos e nos processos mediáticos, normalmente ligados à corrupção, centrando-se aí todas as atenções e deixando passar a léguas o que podemos chamar de exercício de más políticas. Fica meio mundo a gritar pela necessidade da transparência (o que não deve ser abandonado, é claro) mas, como escreve Daniel Innerarity, "não nos perguntamos se estamos a olhar para onde é preciso olhar ou apenas para onde nos deixam olhar, ao mesmo tempo que nos convertemos em meros espectadores".

Assim, esquecemo-nos que nós próprios, enquanto seres humanos, nos criamos através da nossa actividade, do nosso trabalho. E como seres conscientes que somos (ou que devíamos ser...) integramos a imensa multidão que participa no desenvolvimento da sociedade, nos seus vários domínios.

Um terceiro aspecto, que nos parece ser também fundamental, é estar assente na cabeça da maioria das pessoas de que qualquer processo político não é um tema que diz respeito a todos, empurrando-o, comodamente para os políticos e os que se auto-denominam ou são assim denominados: "especialistas".

Há muitos outros temas adjacentes ao problema fundamental, mas não temos espaço suficiente para tal. Estes três, por nós levantados, abrem caminho a muitos outros, que os interessados e estudiosos - infelizmente ainda muito poucos - têm a obrigação cívica e patriótica de estudar, de aprofundar e de participar na sua solução.

Nenhum país se esgota no seu sistema partidário. Como qualquer país necessita desse mesmo sistema partidário. Como qualquer cidadão deve participar, pelos imensos caminhos que tem à sua disposição, influenciando os sistemas que tanto critica, mas em relação aos quais, não age nem reage. Por comodismo, por ignorância, por não conseguir perceber que não é o sistema partidário, ou indo mais longe, o sistema político que, sozinho, vai resolver os problemas.

A sociedade tem de estar presente de forma a que juntos, não deixem desaparecer a vertente representativa da democracia. E essa participação da sociedade pode exprimir-se de tantas formas quantos são os cidadãos disponíveis para a exercer. O exercício de cidadania a isso obriga, se nos recusamos a integrar o exército dos que se limitam a uma permanente qualificação negativa, à crítica de tudo o que se passa à sua volta só pela crítica, sem que nos sintamos no dever de participar de algum modo no mundo em que vivemos e no país que é nosso.

É verdade que os movimentos sociais, uma das grandes novidades políticas dos últimos anos, introduziram novas formas de intervenção e de participação na vida colectiva. E de alguma forma, podem, quando sérios, organizados e convertidos a princípios democráticos e progressistas, forçar de alguma maneira a que as estruturas partidárias sejam forçadas a enriquecer a sua vida interna, o seu debate intra-muros, sem lógicas mediáticas mas realmente políticas, de acordo com a ideologia que adoptam. Porém, não se devem confundir. Os movimentos sociais não podem substituir os partidos políticos. Podem, em último caso, evoluir para partidos que se enquadrem na luta política. Mas continuam a ser os partidos políticos o eixo central de todas as movimentações sociais.