Se alguma vez o "benefício da dúvida" foi um activo que o Presidente angolano teve quase sempre a seu favor, a verdade é que, após o discurso sobre o Estado da Nação, João Lourenço inaugurou um novo ciclo de aceitação e de credibilidade do seu Governo e da sua própria figura, na medida em que - ao contrário do que afirmou - o seu discurso delimita um antes e um depois, já que o "depois" representa um imenso nevoeiro que sustenta a suspeição de que o seu Executivo está sem inspiração e sem uma estratégia para dar a volta à difícil situação de ingovernabilidade que assola o país.

Na verdade, não foi só um discurso que soube a pouco e decepcionante, mas acima de tudo um discurso desolador, que não dá largas à imaginação nem tão-pouco à esperança a nenhum angolano.

João Lourenço quis resumir as acções do seu Governo num plano de realizações que não parece não corresponder ao guião da maioria de todos nós. Porque tudo indica que, além de redutor, é um discurso que deixa maculada a principal figura do país como um apregoador de inverdades. Terá João Lourenço ideia de que esteve a falar de um país que só ele conhece?!

Nem mesmo o balanço aritmético das acções governativas saiu ileso: o manancial de desmentidos, desde o dia do discurso, continua a crescer e é bem provável que até os números sejam também contrariados, agora que, com mais vagar, se esteja a olhar para o discurso de João Lourenço.

João Lourenço, não se sabe bem ao certo se consciente ou inconscientemente, colocou em causa tudo aquilo que a esmagadora maioria vê e sente todos os dias como "país real". Lembra um pouco a reacção da Polícia Nacional, que veio a público negar ter agredido cidadãos que quiseram manifestar-se, quando as imagens que estão a rodar os portais nacionais e internacionais mostram agentes da ordem pública a desferirem golpes de bastões aos manifestantes, horas antes do discurso de João Lourenço. Ou seja, fazendo uma colagem a esta situação,
o entendimento é um pouco no sentido da ridicularização a que esteve votado
o anterior Governo, quando se negava a aceitar as críticas da sociedade civil.

Contudo, já quase ninguém duvida que terá sido o pior dos discursos de João Lourenço desde que chegou à Presidência do país. Além de lhe faltar alma, não só não reflecte o país real, como parece ter embarcado na ideia de cinismo da anterior governação, que sempre ignorou as chamadas de atenção sobre o quadro de direitos e garantias fundamentais e do respeito pelos direitos humanos.

Alguns actores sociais apressaram-se a atribuir a responsabilidade dos casos
até agora desmentidos aos auxiliares de João Lourenço, e há mesmo quem tivesse cobrado a cabeça dos quadros responsáveis das áreas, mas não se colocou
a questão no sentido contrário: por que alimenta o Presidente João Lourenço a ideia de uma convicção que descredibiliza o seu Executivo?!

O Estado da Nação de João Lourenço é de um país visto com lentes coloridas, porque reflecte um quadro cromático que oferece garantias de felicidades
a todo o mundo, quando há uma Angola a braços com um quadro económico difícil.

Estranhamente, o Presidente João Lourenço, no mesmo discurso, garante que "Angola está no caminho certo, precisamos todos - governantes e governados - de trabalhar árdua e permanentemente, e não ter pressa de colher aquilo que não semeámos ou, se o fizemos, não está maduro para consumir. Não esquecer o velho ditado "O apressado come cru"". Quem seria no caso o apressado? O povo?!

Se estas palavras são o garante de que o país tem rumo, é deveras deprimente que o discurso sobre o estado da Nação não tivesse apresentado saídas concretas para a crise que nos afecta a todos. E não é só a crise económica, mas sobretudo a crise da autoridade moral por parte do Executivo, que continua a ter dificuldade em perceber que a acção governativa não é um "manifesto de cinismo".