O confinamento que a guerra tinha ordenado criou aldeamentos de deslocados onde milhares de pessoas conviviam, sem grande possibilidade de guardar distância entre elas. Na estrada que levava à missão do Cuando, a caminho da mini-hídrica, nas imediações do Cruzeiro, um novel bairro estendia-se, com as suas casas precárias. No Casseque, a caminho da Caála, outro bairro se desenrolava junto à estrada. Algo que impressionava era a actividade nestes centros. Bem diferente da imagem estereotipada que temos deste tipo de aglomeração.

As pessoas estavam vivas, e tudo faziam para aplicar a energia que, reprimida, transbordava do seu ser. Algo impressionante era ver como cada pedaço de terra, não ocupado pelas residências ou pelos carreiros entre elas, estava plantado, e era um pedaço de verde, que transmitia toda a esperança que não abandonava aquela gente sofrida, a quem o destino reservara aquela provação.

Na estrada de acesso ao centro de acolhimento do Cassaque, surgiu, em determinado momento, uma motoniveladora que teria como missão a manutenção daquela via. Era novinha, e o seu amarelo vibrante transmitia aquelas ondas de confiança que essas máquinas conseguem incutir nos seres humanos necessitados de boas-novas. Numa segunda visita, estranhámos a imobilidade da máquina, ainda resplandecente, mas plantada à beira do caminho. Quiçá algum problema com o operador, pensámos.

Quando nos deparámos com o mesmo cenário, umas semanas depois, já com os primeiros sinais de uma prolongada paragem, indagámos sobre o que se passaria. Faltava algum componente, de fácil substituição, informaram-nos.

A máquina ali permaneceu, imóvel, nas visitas seguintes, perante o nosso olhar impotente. Foi sendo despojada, não só do brilho do seu amarelo resplandecente, como de outros componentes. A sentença ficou lavrada no dia em que a encontrámos sem pneus, de cenho franzido, com o ar impotente de quem não podia fazer nada contra desígnios que a ultrapassavam.

O mais dramático nesta história é que instituições que procuraram fazer algo para recuperar a máquina, nomeadamente a DW, uma ONG que ali trabalhava, se depararam com uma atitude intransigente por parte da entidade pública que era responsável pela mesma e que insistia que estavam só à espera que de Luanda viesse a tal peça, que se foi transformando em peças, até à sua completa canibalização.

Vem este relato a propósito da nova dotação em equipamentos para as brigadas provinciais para a manutenção das vias. Foram investidos mais umas dezenas de milhões de dólares americanos, e, como tem sido recorrente, houve mais uma série de problemas que, no papel, ficaram resolvidos. A experiência mostra-nos que não é assim que funciona. Para lá das parangonas que estes eventos sempre alimentam, é preciso criar toda uma estrutura, para que haja resultados, e isso é um esforço multifacético, que é preciso fazer continuamente e que não é fácil manter.

Quais os resultados até agora? Seria bom, à laia de boletim meteorológico, termos um balanço regular das actividades desenvolvidas pelas brigadas.

Só para saber que ainda vivem.