Vem isto a propósito da tendência generalizada que existe entre nós para, por um lado, radicalizar qualquer acontecimento que em outro país seria perfeitamente normal e por outro, pessoalizar tudo e mais alguma coisa. Sem a capacidade de olhar para a floresta, muito provavelmente por alguns/algumas nos terem habituado ao longo dos anos, a olhar-se ao espelho, sem a mínima noção de comunidade, de colectivo. E sem um básico e indispensável nível intelectual para que pudessem compreender que, sendo árvores isoladas, ainda que rodeadas de alguns arbustos, nunca entenderam nem interpretaram a sua existência dentro da floresta. O processo demasiado acelerado da criação de uma nova burguesia, sem ter nenhuma defesa que não fosse a do poder económico, misturando-o com incultura, ignorância, falta de consciência, algumas doses generosas de vaidade, arrogância e autossuficiência à mistura, que advêm dessa mesma ausência de nível cultural - levou a que algumas pessoas se afastassem, provavelmente até de forma inconsciente da realidade à sua volta. Passando a viver num mundo à parte, entre festas e glamours, luxos e privilégios, sem terem nunca produzido um alfinete que fosse na vida e desconhecendo, na pseudo-realidade em que viviam e no mundo que criaram à volta de si próprios, a verdadeira vida da esmagadora maioria dos compatriotas.

As responsabilidades que temos, todos, independentemente da nossa origem, do nosso estatuto, da classe social a que pertencemos, obriga a que haja, quando se trata de pessoas que, pela posição que ocupam e pelos direitos a que se arrogavam como naturais, cuidados substancialmente maiores na forma como olhavam (e olham) para a esmagadora maioria da população.

A existência de uma elite, mesmo nas sociedades em que a economia de mercado impera, pressupõe algumas condições que são fundamentais para que se mantenha à tona em tempo de intempéries e mantenha com coerência, conhecimento e educação o peso que lhe advém de serem exemplo no plano de princípios morais, éticos, culturais e de verdadeiro conhecimento da realidade em que (não) vivem, particularmente em momentos de grandes transformações sociais e políticas.

Temos um exemplo recente na História de Angola, quando, nos momentos conturbados que antecederam a Independência nacional, assistimos a dezenas, talvez até centenas de integrantes da burguesia nacional (e até colonial) predisporem-se a ficar em Angola, a enfrentar as terríveis dificuldades que vivemos então, fazendo aquilo que à época se chamava (e nós continuamos a chamar...) de opção de classe. Uma modéstia natural, intrínseca, uma ajuizada interpretação dos movimentos sociais em que vivemos, mesmo que não estejamos neles integrados. A recusa de entrar no campo do insulto, da revanche, da demagogia barata.

Fugir a sete pés de um olhar pretensamente superior, como quem vê lá do alto e com binóculos, o "rebanho" que ainda que o tenham sonhado nunca fomos. Ponderação, cabeça fria, reconhecimento dos erros cometidos e da falência de um modelo que pretendia sobreviver acima, muito acima da nossa maneira de ser e estar. Um conjunto de conselhos que devia ter sido dado, nas várias fases do seu crescimento e amadurecimento, a uma minoria a que há alguns atrás, em texto de opinião saído neste mesmo jornal, chamámos de "geração de idiotas". Enfim, resta sempre o recurso ao que é, ao longo da vida, infalível: o estudo, a observação, o descer à terra, entender que a vida é a que a esmagadora maioria da comunidade vive, e não a estratosfera em que habitavam, como se possuídos de algum direito extra-terrestre, se quiserem os religiosos, de algum direito divino. Com os pés no chão.

NR: Na capa do número anterior, publicámos uma fotografia do General João de Matos da autoria de Jaime Azulay._Fizemo-lo com o devido D.R. (Direitos Reservados). Tendo reclamado, aqui fica a nota. O seu a seu dono.