*Sinais misteriosos... já se vê...

O discurso do Presidente da República no Parlamento Europeu suscitou do respeitado sociólogo moçambicano Elísio Macamo duras críticas. Chamou a minha particular atenção o dito que o discurso havia sido feito à medida dos europeus como se tratasse de uma prestação de contas aos seus representantes em Estrasburgo e que deveria ter sido exigido que eles, os europeus, assumissem as suas responsabilidades pelo estado em que se encontra o mundo ao invés de se pedir desculpas pelo facto de reagirmos como podemos à estrutura de um mundo que não foi construído por nós, entenda-se, africanos.

Li outras opiniões que convergem, na sua maior parte, na ideia de que o importante do discurso de João Lourenço foi pretender ganhar credibilidade para Angola e procurar a confiança necessária para que investidores e instituições internacionais possam contribuir para a recuperação da economia. Para o nacionalista angolano Adolfo Maria - a quem, inexplicavelmente, as instituições angolanas continuam a negar um passaporte que lhe permita, por exemplo, visitar o país pela independência do qual deu a sua juventude -, o Presidente quis deixar claro que o capitalismo angolano seguirá as regras do sistema capitalista mundial, sendo que as circunstâncias obrigam o Executivo angolano a diversificar o investimento e a assistência técnica de que precisa.

Por isso, é inevitável manter a estreita parceria com a China e, no campo ocidental, é correcto privilegiar as relações com a Europa, que tem tradicionais ligações à África e largo know-how relativo ao continente, parece ser mais previsível que os Estados Unidos da América - na sua política externa e, acrescento eu, pode aportar referências importantes que derivam dos aspectos positivos do seu modelo de Estado Social, que, apesar das falhas que lhe são apontadas - são, a meu ver, o mais avançado da actualidade. Por sua vez, o economista Ennes Ferreira, reconhecendo a gravidade da situação no país, usa os mesmos argumentos e exorta Angola a aderir ao EITI (Iniciativa pela Transparência das Indústrias Extractivas), um instrumento de credibilização interna e internacional que existe desde 2003 com o objectivo de promover a prestação de contas à sociedade.

Posso compreender a atitude de Muacamo, enquanto académico e activista cívico, porquanto, do ponto de vista ideológico, é natural que os africanos ponham em causa o eurocentrismo que comanda o sistema do mundo. João Lourenço até podia ter feito algumas considerações sobre a necessidade de um diálogo mais equilibrado relativo aos caminhos da democracia e do desenvolvimento, de modo a permitir mais respeito pelos valores dos africanos e uma maior apropriação pelos povos do continente das conquistas universais sem se pôr em causa as identidades africanas na sua diversidade. Mas Muacamo não pode pedir, e muito menos reclamar, que o líder de um país como Angola, que está praticamente mergulhado num caos económico e social por razões que, em primeiro lugar, devem ser atribuídas aos angolanos, possa ir ao Parlamento Europeu fazer qualquer tipo de exigência. Quem está com a corda na garganta tem de ser pragmático e ter o bom senso necessário para mitigar o sofrimento da população e prevenir riscos normalmente associados a posições radicais.

A situação extremamente crítica do país e as medidas que João Lourenço tem tomado desde que assumiu a Presidência levam-me a conceder-lhe o apoio de que necessita para prosseguir as reformas. Acho que se tem pedido demasiado a João Lourenço, incluindo coisas que ele não pode ou nem mesmo quer fazer. Ele não está a fazer uma revolução, mas simplesmente a gerir uma transição muito complexa, que exige pinças, para evitar "revoluções" que seriam desastrosas. É desonesto não reconhecer o seu esforço reformador, principalmente por parte daqueles que se mantiveram em silêncio quando actos gravíssimos ocorriam no país. Gente que exultou com uma reconstrução nacional falhada, ou até apoiou. As mudanças efectuadas, longe de serem as melhores ou as possíveis, são suficientemente importantes para terem restituído a confiança a muitos angolanos.

Mas o apoio ao Presidente não pode ser entendido como um cheque em branco. Apoio crítico é a minha divisa. Porque há muito a melhorar, algumas medidas urgentes são necessárias. Desde logo, o Presidente tem de pensar em pôr ordem no país e restabelecer a autoridade do Estado. Agrada-me a diminuição do autoritarismo do Estado que tanto mal causou, mas continuo muito preocupado com a falta de autoridade que resultou do modo como as instituições foram desrespeitadas e se vai mantendo.

Na mesma linha, penso igualmente na necessidade de mais "atitude JL", isto é, de fazer com que o espírito e a letra das mudanças conduzidas pelo Chefe de Estado sejam ampliados de modo a corrigir novas práticas de nepotismo que parecem ressurgir com rostos diferentes, e sejam assumidas por governantes e gestores públicos a todos os níveis. Ainda vemos muita gente, incluindo parte da que já foi nomeada depois de Setembro de 2017, a terem comportamentos absolutamente reprováveis, o que mina a confiança dos cidadãos, tão necessária às mudanças desejadas.

Ao mesmo tempo, impõe-se atacar seriamente a questão económica. Por vezes, dá a sensação de que o Executivo ignora a situação extremamente crítica das empresas que estão a encerrar, a despedir pessoal ou a paralisar por razões que deveriam ser encaradas de modo mais assertivo. Os problemas do acesso a divisas são graves, mas devem servir de reflexão sobre o modelo que foi encorajado e agora tem as consequências que estão à vista. O PRODESI pode ser uma solução, mas, desde cedo, eu pergunto como pode um programa que repousa no desempenho das empresas pode ter sucesso se as empresas não existem ou funcionam mal, com os vícios conhecidos por todos nós.

Pergunto-me como é possível incentivar a produção agrícola e industrial se o país continua a importar 250 milhões de dólares de alimentos por mês, favorecendo os lóbis da importação no acesso a divisas e nas isenções de pagamento de taxas, em prejuízo da produção nacional, anomalia que será agravada pelo facto de a nova Pauta Aduaneira escancarar uma porta que já estava demasiado aberta. Oiço que a Comissão Económica do Conselho de Ministros está preocupada com a garantia de bens, a importar, claro, para o próximo Natal e não oiço nada sobre a solução dos constrangimentos para a campanha agrícola que se avizinha. Preocupante, Presidente João Lourenço, muito preocupante!

Na mesma linha de pensamento, será judicioso incentivar e apoiar as micro, pequenas e médias empresas que parecem estar a sumir do mapa, sem as quais não me parece que o PRODESI possa, de algum modo, vingar e nem se conseguirá dar tratamento ao desemprego galopante que, por vezes, parece não preocupar o Executivo. Enquanto não forem travados os projectos aberrantes que outra serventia não têm, para além da de sorvedouros de dinheiro público e de alimentadores da dívida, será difícil encontrar recursos para se começar a dar vida aos municípios do interior do país através da dinamização da agricultura e da indústria de pequena escala que possam sustentar o comércio e proporcionar condições de vida à população residente.

Sem forçosamente ser menos prioritário, importa moralizar mais a sociedade e, para tal, há que fazer um enorme esforço para reduzir as despesas públicas, começando por se aligeirar o Executivo, a Administração do Estado e as empresas públicas, cortando no máximo possível as despesas com a administração, tornar esta mais funcional através da adopção de melhores procedimentos e despartidarizar o Estado como a sociedade vem reclamando.

Tais medidas deveriam, na minha opinião, passar por um pacto com a oposição e as principais forças da sociedade civil que permita uma paz social e o aproveitamento adequado de quantos têm competências e patriotismo para darem o seu contributo para a verdadeira reconstrução do país, que não esteja baseada apenas nas infra-estruturas, mas sobretudo na reconstrução do tecido social e das redes que o conformam.

Sinais misteriosos? Já se vê...

* (Título de um livro de poesia de Ruy Duarte de Carvalho)

Texto publicado na edição n.º543 do Novo Jornal, de 20 de Julho