Se muitos destes filhos que tombaram pela independência - e mesmo aqueles que vieram pouco depois a sucumbir na sequência do conflito da guerra civil que se instalou em Angola após o 11 de Novembro de 1975 - tivessem ideia do que nos tornaríamos mais tarde, certamente que teriam inúmeras dificuldades em perceber que o propósito pelo qual se travou uma dura luta pela emancipação do povo angolano foi traído por aqueles que o nunca deviam ter feito.

Estranhamente, desde há muito que se instalou no país um cinismo ultrajante e sobretudo um grau de insensibilidade doentio por parte de determinadas figuras da política nacional para com a causa de todos nós. Esta actuação chega a roçar ao maior desprezo que se pode oferecer a um povo que apenas e só tem exigido o mínimo de dignidade por parte daqueles que são eleitos para o representar seja na esfera governativa, seja na esfera legislativa, na Casa das Leis, mais propriamente dito.

Este povo, com todo um passado de inúmeras carências, merecia ser tratado com mais respeito e a necessidade de um exame de consciência devia ser uma máxima recomendável a todos aqueles que chegaram à governação e fizeram riquezas à custa da desgraça dos mais pobres, dos indefesos e dos desprotegidos. Porque o enriquecimento por este viés não pode ser um manto de conforto que proporcionasse um sono profundo a um actor político que fez da governação um traçado para chegar à riqueza e ver toda uma esmagadora maioria atirada à sua própria sorte, como se o país nada tivesse que pudesse acudir as famílias da miséria.

O país é mais país com o seu povo a merecer o respeito de quem ele elege. E quem não percebe isso por estar protegido pelas benesses geradas por uma acção de (des)governo, mas devia pensar todos os dias da sua vida que uma vida inocente que se tenha perdido num hospital ou mesmo num centro médico precário do nosso país é nada mais do que o resultado da sua actuação como dirigente ou como servidor público que preferiu usar um outro meio para ceifar vidas inocentes.

Acreditamos que todos os países do mundo passaram por esta fase da institucionalização da degradação de valores que a Declaração dos Direitos do Homem tipificou como princípios essenciais para o respeito pela dignidade da pessoa humana (a redundância é necessária). Em Angola, se questionarmos o que significa isso para as famílias que nasceram em situação de extrema pobreza, todos esses valores significam simplesmente nada. Porque quem devia protegê-los entende que os únicos valores legitimamente dignos de serem defendidos são aqueles que fazem de si um servidor público, um político ou um governante com elevadas somas monetárias.

Angola não é nem será o único país a experimentar uma cultura de corrupção que atentou contra todos os valores defendidos pelos fundadores deste país. Alguns países, que lideraram as estatísticas da corrupção no mundo e que alteraram as regras do jogo político, criaram mecanismos de autocontrolo.

Curiosamente, os sinais exteriores de riqueza em Angola dizem pouco às autoridades judiciais. Quase ninguém - claro está que há aqui algum exagero - é investigado por exibir uma riqueza que não se consegue bem explicar de onde ela veio. E há mesmo uma espécie de cultura de exibição destes sinais exteriores de riqueza, como se quisesse esfregar na cara da justiça.

Num país como Angola, onde se exige do cidadão o maior dos sacrifícios, não é justo que os políticos não sejam cidadãos exemplares. Mas incomoda muito mais quando a esses sinais exteriores de riqueza se juntam a avareza, a indiferença e o silêncio das autoridades judiciais, que se calam e deixam o país órfão de si mesmo.