Há um claro e comum entendimento de que o país precisa de sobreviver ao duro golpe desferido pela actual conjuntura económica nacional, mas isso não poderá ser sinónimo de um sedativo que obrigue o país a digerir uma solução política que poderá ocultar todo um quadro de responsabilidades que perdura ainda hoje.

O Executivo, ao pôr mão nos dinheiros do Fundo Soberano, fá-lo adoptando um plano que, à luz de uma lógica simplista, é claramente uma solução óbvia que dá maior conforto ao país e evita aquilo que seria o agravamento do endividamento público. Mas o próprio Executivo não esclarece, por outro lado, o actual estado do próprio fundo, fora dos valores que pensa aplicar em projectos ligados ao PIIM.

O que pode sugerir uma solução de financiamento que leva o país a não agravar o quadro de endividamento público, sim, mas que peca a nível da transparência, porque não deixa claro que destino se vai dar ao valor remanescente do referido fundo; se se vai continuar a investir em empreendimentos hoteleiros, minas de ouro, fazendas e resorts no país e/ou no exterior.

Feitas as contas, e se se isso não constituir nenhuma ofensa de lesa-pátria, se não se esclarece o estado actual do fundo, o Executivo arrisca-se a tomar o rótulo de estar a tomar para si, através das verbas cabimentas no PIIM, uma espécie de "saco azul", que deverá gerir a seu bel-prazer, porque não deverá - e porque não está obrigado a fazê-lo - apresentar um caderno de encargos junto da Assembleia Nacional, a qual caberia analisar os projectos e dar o aval, tratando-se de verbas que não estão previstas no Orçamento Geral do Estado vigente.

Uma solução desta natureza, como a que o Executivo buscou encontrar para começar a diminuir a pressão social, dado o agravamento das condições socioeconómicas e do estado de degradação das infra-estruturas públicas em quase todo o país, assim como uma insuficiência na prestação de serviços básicos à população, envolvendo os dinheiros do Fundo Soberano - dois mil milhões de dólares, é este o valor ­ -, teria de ser necessariamente esclarecida e não simplesmente apresentada como um "trunfo político" porque se está no governo.

Pelo menos foi esta a explicação apresentada pelo chefe de Estado ao defender que qualquer partido que está no governo teria como principal preocupação resolver o problema do povo. Esta é claramente uma explicação política, que não retira o grau de responsabilidade que se devia cobrar do Executivo.

Estranhamente, alguns partidos da oposição, aos quais cabia uma primeira reacção, ficaram-se pela acusação de que o Executivo pretende atingir com o PIIM uma decisão com fins eleitoralistas, quando o que está em causa é uma situação mais grave, que tem que ver com a forma como se pretende, por via de um "caixa 2", sustentar o investimento público sem que isso possa atingir as despesas previstas no Orçamento Geral do Estado previsto para este ano.

Na verdade, além de não prestar esclarecimentos sobre a decisão, o Executivo está a passar para o lado as questões de fundo, sobrevalorizando o facto de a dívida pública ficar de fora deste pacote de investimentos que tem, se bem vistas as coisas, fins de marketing político. Mas tudo isso, do ponto de vista da gestão, demonstra também um descaso para com a gestão dos dinheiros públicos, porque não bastará dizer que se recorreu a este mecanismo de financiamento para se evitar o agravamento da carteira de despesas, quando não há transparência.

O fantasma da dívida pública, que já está entre nós há largos anos, pelo menos desde que as condições económico-financeiras do país começaram a conhecer o caminho da recessão, não pode dar legitimidade para que voltemos às zonas cinzentas da gestão pública. E é preciso que os partidos da oposição, mais do que verem oportunismo político, encarem com responsabilidade o exercício de cobrança de prestação de contas.

*Título do livro homónimo da autoria de Mia Couto