E porque a vida tem que seguir indo em frente, o remédio (!) mesmo terá que ser organizarmo-nos todos para conviver com o vírus de forma permanente. (Re)aprender como ir às nossas actividades de rendimento, lazer, culto e cultura. Como andar na rua, ficar na praia, ir às festas, sentadas de sábado, dançar kizomba... enfim, o Covid-19 está aí a obrigar-nos a esquecer literalmente como estamos habituados a viver a vida e a "reiniciar tudo de novo". Se não o fizermos, o preço é a penalização máxima: as quatro caixas do caixão.

A boa notícia é que não apareceu ainda pandemia que fosse capaz de derrotar a espécie humana. E doenças e pestes não faltaram, desde a Peste Negra no Séc. XIV até ao ébola e marburg nos nossos dias (sem falar da malária, esquecida por que é a doença dos pobres, mas sobre isso falaremos nas próximas oportunidades). Mesmo quando a humanidade tinha muito menos conhecimentos e recursos técnicos e tecnológicos, sempre conseguiu dar a volta por cima. Aliás, só por isso estamos aqui para contar a estória das pandemias passadas e a gizar estratégias para vencer esta também. Em resumo... mesmo com o Covid-19, os homens e mulheres do planeta têm o seu amanhã por tratar. E é isso que devemos fazer. Sem delongas nem adiamentos, e é esse o contributo que queremos dar nesta página.

Para a conversa de hoje, trago o grande acontecimento desta semana: a "despromoção" do Estado de Emergência para o de Calamidade, e começo com a estiga da praxe ao mwangope heróico e generoso. Então, quando havia estado de emergência, toda a malta queria ir à rua. Quando o kota Laborinho fitucou e avisou que a Polícia não ia dar rebuçados e chocolates, foi o refilanço que se viu. Agora que veio o Estado de Calamidade e se diz "olha, agora cada um é que sabe, a saúde é sua" e outro basqueiro: o Governo abandona o povo, não quer saber das pessoas, como é que agora que casos aumentam é que desconfina, etc. Caso para dizer, o Governo apanha por ter e não ter cão.

A verdade, porém, que temos que encarar é que o país não tem como continuar com tudo parado. A situação de fome nas famílias que sobrevivem do comércio informal e, por isso, vivem do que ganham cada dia, já está a atingir níveis altamente preocupantes; os empresários já não estavam a ver como continuar a pagar salários para trabalhadores, quando o dinheiro não entrava porque as portas estão fechadas. O próprio Estado, que emprega a maior parte da força de trabalho do País, estava a ter o mesmo problema: como pagar as despesas públicas se o preço do barril de petróleo baixou para menos de metade, os diamantes idem, ninguém paga os impostos e a economia está completamente parada. Sem descurar o grande perigo que o Covid-19 representa, a vida tem que retomar e a economia tem que (re)iniciar a produzir serviços e bens. Sob pena de morrermos da cura, ou seja, da fome causada pelas medidas do Estado de Emergência.

Na busca do equilíbrio destas duas necessidades igualmente vitais - protegermo-nos do vírus e trabalhar para viver - é que só nos resta um caminho: aprender a (com)viver com o vírus e fazer as mudanças na nossa vida, necessárias para isso. Ou seja, as medidas de protecção contra o coronavírus não mais têm que nos ser impostas pelo Governo ou pela Polícia. Têm que partir de cada um de nós. Proteger-nos a nós próprios, para proteger aqueles que amamos, a nossa família.

Temos que ir à rua trabalhar e fazer outras coisas, mas temos, também, de fazer um hábito usar permanentemente a máscara (com muita pena das maquiagens das senhoras mas...). Temos que perder o hábito do aperto da mão, do abraço e do beijinho e saudar-se mesmo à distância. E manter a distância de metro e meio entre as pessoas, nas filas, nas reuniões, no atendimento corrente, etc. Temos que ir aos eventos sociais, aqueles que são importantes para nós; sentadas, pedidos, casamentos, baptizados, etc. Mas temos que estar cientes de que a etiqueta tem que ser outra, oposta à habitual. Para além das medidas descritas atrás, vai ter que se reinventar uma forma de dançar kizomba e tarrachinha. Tal como se dança agora não vai dar não...

O mesmo se dará com os cultos e missas, algo muito caro para muitas pessoas. As próprias direcções das igrejas vão ter que preparar os templos, para que se respeitem as distâncias de metro e meio, o que vai dar mais ou menos metade da lotação. Terão que encontrar formas de atender a toda a gente, talvez reduzindo para metade o tempo de duração dos serviços religiosos e duplicando a sua frequência. E toda a gente com máscaras. Os belos cânticos e coros vão mesmo ficar distorcidos por causa disso, mas paciência. Os padres e outros servidores do altar terão que servir a comunhão com luvas e pousá-la na mão, em vez da boca. E assim por diante em todas as esferas da vida social, económica, produtiva, desportiva, cultural, etc.

Esta inflexão deve ser acompanhada com uma campanha de informação pública e marqueting social com o mesmo vigor da actual "Fica em casa". As autoridades estão, na verdade, a fazer um belíssimo trabalho nesse sentido. Não há memória desde que o País é independente, talvez mesmo antes, de uma campanha tão assertiva e abrangente como esta a que estamos a assistir. E os resultados estão aí: os sintomas da doença, assim como as medidas de prevenção, são, menos de dois meses depois do seu início, do conhecimento geral do cidadão comum.

É apenas preciso agora mudar o foco da mensagem. Retirar da mensagem o foco absoluto do "Fica em casa" e socializar o "como estar protegido na rua". Sei bem que isso dito hoje quase que parece uma heresia. Basta ver como os pais e encarregados na generalidade estão a reagir à possibilidade do retorno das crianças à escola. Mas, esse é o único caminho que nos resta. Ficar em casa sim, mas quando tivermos que sair, proteger-nos na rua.

É a isso que chamo viver a vida e (con)viver com o vírus - um novo normal, um imperativo do nosso amanhã. Uns diriam, do nosso agora. n

*Sociólogo da Comunicação