Com eleições gerais marcadas para Dezembro, 23, a RDC atravessa uma das fases mais melindrosas da sua longa e conflituosa história com a saída iminente do poder do Presidente Joseph Kabila, que contou desde o início com o apoio de Luanda para se manter no poder, mas que internamente poucos acreditam na sua manifestação de intenção de deixar o cargo logo após as eleições.

Isto porque Kabila nunca deixou de tentar encontrar uma fórmula que lhe permitisse manter-se no poder apesar de o segundo e último mandato permitido pela Constituição já ter terminado em Dezembro de 2016.

Depois de violentas e mortíferas manifestações, conseguiu um acordo de última hora com a oposição para prolongar a sua Presidência até às eleições que foram marcadas para finais de 2017 e depois, após novos protestos populares, com dezenas de mortos, remarcadas para 23 de Dezembro deste ano.

Sob pressão da comunidade internacional, com a França na linha da frente, Kabila aceitou sair, embora os opositores, com destaque para Fèlix Tshisekedi, líder da UDPS, o maior partido da oposição, mantenham a acusação de que a sua intenção é esticar a corda até onde lhe for possível para que, no meio do caos político - mas que pode ser igualmente militar - encontre o buraco da agulha que lhe permita ser visto como a única pessoa capaz de evitar que a RDC se transforme em escombros.

Ora, é isso que a França, tal como outros países e organismos internacionais, como os EUA ou a ONU, pretende evitar, e sabe que o Presidente João Lourenço, devido ao particular relacionamento histórico entre Luanda e Kinshasa, é uma peça-chave para conseguir esse objectivo, embora Macron saiba também que Angola tem uma posição firmada ao longo dos anos sobre a RDC e interesses claros sobre o futuro do problemático gigante que tem como vizinho a norte.

Tanto Lourenço como Macron têm em mente a importância do novo poder que vier a assumir os destinos da RDC em Dezembro próximo para uma região em particular, o coração dos Grandes Lagos constituído pelos três pequenos mas gigantes dores de cabeça nas últimas décadas para quase toda a gente, o Ruanda, o Uganda e o Burundi.

A substanciar a importância da RDC nesta visita de Lourenço a Paris está o facto de grande parte da cobertura mediática internacional incidir fortemente no papel decisivo que Luanda e Paris possuem na procura da fórmula para retirar a RD Congo da prolongada e intensa instabilidade política e militar.

Com fronteiras a ligar os três países à RDC nas escaldantes províncias do Kivu Norte e Kivu Sul, e com grupos e facções armadas, ou mesmo guerrilhas organizadas, como a FDLR, oriunda do Ruanda, e a ADF, do Uganda, a manterem a ferro e fogo esta parte do Congo há décadas, a França e Angola partilham um interesse fulcral para aquilo que pode ser o futuro do continente africano, sendo óbvio o interesse mútuo em retirar esta parte de África do mapa das regiões mais instáveis e problemáticas.

RD Congo, um problema que tem de ser resolvido

O que João Lourenço e Emmanuel Macron vão procurar definir é onde os interesses de Luanda e de Paris confluem e onde se separam e encontrar o melhor caminho para evitar situações embaraçosas para dois dos países com acção mais preponderante naquilo que for a estratégia para lidar com este problema, sabendo ambos que uma solução duradoura carece do compromisso igual do Ruanda, e, ainda para mais, agora que o seu Presidente, Paul Kagame, lidera também a União Africana.

Há mais de duas décadas que a RDC gera problemas e tensões que ameaçam alastrar, alastrando mesmo aqui e ali, pelo resto do continente, como o próprio Joseph Kabila lembrou no ano passado, afirmando: "Os problemas na RDC têm potencial para desestabilizar todo o continente africano e o mundo".

Macron, quando se sentar hoje com João Lourenço terá fresco na memória o resultado do seu recente encontro, no dia 23, em Paris com Paul Kagame, Presidente do Ruanda e actualmente à frente da União Africana, especialmente aquilo que pode unir e desunir uns e outros no trato do problema da RDC, com um pormenor que não vai ser desconsiderado: os recentes combates entre os exércitos congolês e ruandês na zona de fronteira no parque Virunga, sob mútuas acusações de penetração de fronteiras de um e outro lado.

Claramente, para a comunidade internacional, Joseph Kabila está a ganhar, cada vez mais, estatuto de principal problema da RDC e parece ser de consenso alargado que o futuro do país não pode passar por ele, especialmente com a cada vez mais evidente aproximação de Kigali (Ruanda) e Luanda sobre a melhor estratégia para lidar com o problema.

No entanto, depois do encontro de Macron com Kagame e com a visita de Lourenço prestes a ter lugar, o ministro dos Negócios Estrangeiros congolês exigiu clarificações aos embaixadores de França, Ruanda e Angola no seu país, especialmente depois de Macron ter afirmado que apoiava a solução preconizada por Angola e Ruanda, sendo quase inexistente informação sobre qual será a tal "solução" trabalhada por Kigali e Luanda.

Preso por arames, o regime de Joseph Kabila esteve prestes a cair por diversas vezes desde que assumiu o poder, em 2001, embora tenha resistido, segundo analistas internacionais, muito devido ao apoio de Luanda, durante a Presidência de José Eduardo dos Santos, tendo a geoimportância de Kabila à frente dos destinos da RDC mudado substancialmente desde a chegada de João Lourenço ao poder.

Recorde-se que o apoio de Angola foi decisivo para que Laurent-Désiré Kabila, pai do actual Presidente Joseph, tivesse conseguido, nas denominadas guerras do Congo, na década de 1990, conter as rebeliões apoiadas pelo Ruanda e pelo Uganda, tendo esse apoio de Luanda sido mantido com a chegada do actual Chefe de Estado ao poder.

Mas a RDC foi sempre um potencial foco de tensão para Angola, que recebeu um aviso claro do que pode significar a instabilidade no vizinho, quando, em 2017, a violência do Grand Kasai, provocada por milícias locais, empurrou milhares de pessoas para dentro de Angola, obrigando a criação de campos de acolhimento para os alojar, sendo que, com mais de 70 milhões de habitantes, quaisquer crises internas rapidamente se podem revelar grandes problemas para os países vizinhos.

Uma das questões que pode ter uma clarificação por estes dias de visita a França por parte de João Lourenço é o quase garantido realinhamento de Luanda face ao problema chamado RDC, pressionando a saída de Kabila e olhando para Kigali como um circunstancial aliado para garantir uma solução duradoura, logo após as eleições de 23 de Dezembro.

Estas eleições têm em Moise Katumbi, homem de negócios e antigo governador do Katanga congolês, um dos principais nomes para substituir Kabila, a par de Felix Tshisekedi, também ele um potencial vencedor se surgir na liça, embora a solução esteja a ser erguida em torno destes dois nomes e sob uma proposta única.

Uma das possibilidades mais salientes em todo este processo é que Katumbi e Tshisekedi estejam em sintonia com o que está a ser desenhado no triângulo Paris-Kigali-Luanda para o futuro da RDC, um gigante de mais de 70 milhões de habitantes e cuja pacificação política e militar surge como uma das prioridades africanas para aqueles que procuram relançar o desenvolvimento do continente por causa do seu potencial enquanto foco desestabilizador continental, devido à sua história, grandeza e localização geográfica no coração de África.