Com o título "Julgamento de Manuel Vicente ameaça exportações para Angola" estampado na primeira página da edição desta terça-feira, 16, o jornal Negócios expõe como esse caso "vai deixar uma "ferida política" que terá impacto nas relações diplomáticas e económicas entre os dois países".

Citando "uma fonte angolana conhecedora do processo", o diário português adianta que "uma das formas que Angola está a estudar para responder à "ofensa" de Portugal passa por uma redução substantiva das importações".

A medida reduziria ainda mais o peso dos produtos portugueses no mercado angolano, tendência que iniciada em 2014. Nesse ano Angola foi o quarto principal destino das exportações portuguesas, caindo para oitavo em 2016.

Esta posição, indica o Negócios, começou a inverter-se no ano passado, marcado por uma recuperação, agora novamente comprometida.

As exportações para Angola, só entre Janeiro e Setembro, atingiram os 1,3 mil milhões de euros, mais do que as realizadas na totalidade de 2016", escreve o diário.

Embora os números reflictam os efeitos da crise em Angola, são também um indicador de que o país tem privilegiado outros parceiros, relegando Portugal a um plano secundário.

Aliás, no final do ano passado, depois de ter dito que "Angola sobreviverá a uma crise de relações com Portugal", o ministro das Relações Exteriores recordou que o país pode "substituir a cooperação empresarial portuguesa por outra de igual ou de mais valia".

Em declarações ao semanário português Expresso, Manuel Augusto lembrou que "a África do Sul também tem bom vinho", e acrescentou que Angola pode ir comprar azeite a Espanha.

Para além da redução das compras a Portugal, o Negócios adianta que Angola poderá barrar o acesso de empresas portuguesas a empreitadas e concursos públicos.

A resposta angolana ao caso Manuel Vicente deverá passar igualmente pela banca.

Com destaque para "a imposição de barreiras aos bancos com capital português", bem como para a "criação de obstáculos adicionais ao repatriamento dos lucros" pelas empresas lusas, escreve o jornal luso.

Saída da CPLP sobre a mesa

Para além da resposta económica ao caso Manuel Vicente, a posição de Angola poderá incluir a suspensão da presença na CPLP.

A hipótese foi avançada pelo embaixador e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros português, António Martins da Cruz, que tem feito várias deslocações a Angola nos últimos anos, tendo inclusivamente sido noticiado que foi contratado pelo Governo angolano como consultor.

Os efeitos do processo contra o ex-vice-Presidente angolano - cujo início de julgamento foi marcado para a próxima segunda-feira, 22, em Lisboa - prometem ainda dar muito pano para mangas.

João Lourenço já deixou um claro aviso a Portugal de que as relações bilaterais podem ser seriamente afectadas, exigindo que o processo de Vicente seja transferido para os tribunais angolanos, como o prevê o acordo existente no âmbito da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

O Chefe de Estado, recorde-se, disse, na conferência de imprensa realizada na semana passada, que Portugal não foi "lamentavelmente" ao encontro ao pedido de Angola, dizendo que "não confiava na Justiça angolana". O Presidente da República acrescentou que isso foi "uma ofensa para Angola", apesar de não estar em causa o pedido de absolvição ou de arquivamento do processo, mas tão só a transferência deste para os tribunais angolanos.

"Nós não somos juízes e não temos competência para dizer se o engenheiro Manuel Vicente cometeu ou não cometeu o crime de que é acusado", sublinhou ainda João Lourenço.

Em causa está o alegado pagamento de 760 mil euros ao ex-magistrado do Ministério Público de Portugal, Orlando Figueira, para arquivar dois processos, um deles o caso Portmill, relacionado com a suposta aquisição de um imóvel de luxo no Estoril.

"Não existem provas materiais para acusar Manuel Vicente", defende o Chefe da Diplomacia angolana, que alude às recentes declarações do advogado do ex-vice-Presidente da República, Paulo Blanco, bem como do ex-procurador Orlando Figueira, coincidentes na ilibação do antigo número um da Sonangol.

Manuel Augusto insiste que cabe a Portugal decidir o futuro da cooperação. "No dia em que este caso for solucionado, de um momento para o outro tanto o Presidente Marcelo [Rebelo de Sousa] como o primeiro-ministro [António] Costa poderão vir a Angola, assim como o nosso Presidente ir a Lisboa", antecipa o ministro das Relações Exteriores.