Enquanto os chamados cidadãos anónimos celebram as mudanças introduzidas por João Lourenço no comando das principais empresas públicas - com destaque para a Sonangol -, e a oposição modera entusiasmos, lembrando que é preciso mostrar trabalho, militantes do MPLA revelam, nas redes sociais, que não estavam preparados para tantas mexidas.

"Reformas políticas devem ser cautelosas para garantir coesão social, evitando conflitos que os sedentos de vingança ou ajustes de conta [querem criar] com os antigos governantes", aponta o deputado do MPLA, João Pinto, na sua página no Facebook.

Desde a última quarta-feira, 15 - data marcada pela exoneração de Isabel dos Santos e pelo fim dos contratos que ligavam a TPA a empresas de Tchizé dos Santos e Coréon Dú - que o ex-vice-presidente da bancada parlamentar do MPLA se desdobra em publicações críticas da gestão de João Lourenço.

"Evitemos a vanglória dos pseudo triunfalistas e humilhação públicas...o melhor Governo garante coesão e não ansiedade", assinala João Pinto.

A sucessão de remoques do deputado do partido no poder tornou-se rapidamente fonte de partilhas e comentários, convergentes na ideia de que o político está em campanha contra João Lourenço.

A alegada oposição ao Chefe de Estado é desmentida por João Pinto, que reduz a dissonância ao exercício democrático.

"É normal que numa transição haja visões diferentes quanto aos métodos para atingir um objectivo comum do bom Governo. O que interessa é que o Presidente João Lourenço faça cumprir o nosso programa [do MPLA]", defende o parlamentar.

Embora sublinhando que "a última decisão do Estado será sempre do Presidente da República que governa", o deputado entende que as "críticas públicas" são desejáveis, "para que não caiamos em caças às bruxas ou excesso populista", e garante que não é moço de recados.

"Eu falo directamente e vou respeitar sempre o meu partido e liderança do Estado, cumprindo a Constituição e as Leis. Isto não me impede de ter opinião própria como sempre tive".

Às críticas públicas a João Lourenço, o deputado do MPLA junta elogios públicos a José Eduardo dos Santos.

"Nunca ouvi de JES ter atitudes públicas directas ou expressas que desacreditassem o Governo do Presidente Neto", sublinha.

"Ele que tente atacar o Cda João Lourenço sem justa causa e por má-fé. Ele que tente!"

As publicações de João Pinto suscitaram, para além de uma rajada de comentários, partilhas e reacções - sobretudo de apoio a João Lourenço - textos de resposta de reconhecidos militantes do MPLA.

É o caso de António Venâncio, engenheiro civil que ingressou no partido do poder há mais de quatro décadas.

"Tenho estado a ler o deputado João Pinto, um novato no MPLA quando comparados aos 42 anos desde que me filei ao Movimento nas mais duras condições de adesão ainda no bairro do Rangel", introduz o especialista em construção civil, para quem o ex-vice-presidente da bancada parlamentar dos Camaradas tem apelado "à defesa dos ricos ora exonerados dos seus cargos de maneira sorrateira para manchar o desempenho e a conduta do novo Governo", liderado por João Lourenço.

"É claro que uma afronta destas, ainda por cima na condição de deputado do mesmo partido em que milita o seu novo Presidente, - sobre quem ainda não ouvimos o mais leve elogio - nos preocupa", aponta António Venâncio, sugerindo que as posições de João Pinto são induzidas.

"Não acredito que o faz de livre vontade", diz o engenheiro, que junta à sua apreciação rumores de que o deputado recebeu uma "nova missão de, pelas rádios, vilipendiar, fazer desacreditar e desvalorizar todas as medidas correctivas que o novo PR tem tomado ou venha a tomar no futuro, tendo em vista um processo macabro contra o seu Governo e os governantes por si escolhidos".

A ser verdade, escreve António Venâncio, João Pinto "terá pela frente um batalhão de militantes", empenhado "num confronto intelectual directo, no plano das ideias" para o desmascarar "na sua duvidosa qualidade de verdadeiro militante, face à sua vergonhosa postura de ingrata pessoa, pará-quedista no MPLA, sem argumentos e rendido a pensamentos caducos por interesses obscuros".

Dirigindo-se ao deputado, o engenheiro civil acrescenta que estará "na linha da frente para o combate político que o levará à sucata, como uma peça de ferro-velho, da pior espécie que a bajulação angolana alguma vez produziu".

No final, António Venâncio avisa: "Ele que tente atacar o Cda João Lourenço sem justa causa e por má-fé. Ele que tente!".

Desentendimentos são "falsos problemas", garante ministro da Comunicação

O tom crispado entre militantes foi entretanto desvalorizado pelo ministro da Comunicação Social que, no Twitter, serena os ânimos.

"As correcções em curso em Angola estão a deixar muita gente sem discurso. Por isso, tratam de inventar confrontos internos que só convencem os desinformados. São falsos problemas, como escreveu hoje [domingo, 19] o director do Jornal de Angola (JA), num apelo à nossa sensatez comum", considera o governante, aludindo ao editorial assinado por Victor Silva, intitulado "Um falso problema".

No texto, o novo presidente do conselho de administração das Edições Novembro, e director do Jornal de Angola, assinala que o "o facto de algumas mudanças terem atingido figuras consideradas "intocáveis' fez nascer uma onda de ruído de que o actual Presidente da República estaria empenhado numa "caça às bruxas' a pessoas próximas ao ex-Presidente e líder do MPLA".

Referindo-se às mudanças na Sonangol, Victor Silva sublinha que "a questão não deve ser posta no facto de Isabel dos Santos ser filha do ex-Presidente da República", acrescentando: "Se calhar, ou talvez por isso mesmo, a petrolífera nacional não conseguia os financiamentos externos necessários ao seu desenvolvimento por saber-se que no combate ao branqueamento de capitais há pessoas politicamente expostas, as chamadas PEP, que estão sob o radar do mundo financeiro mundial".

Para o responsável, "tratou-se de uma medida de gestão, pura e dura, que algumas forças, apanhadas sem argumentação, procuram agora atirar para um alegado conflito político entre o Presidente da República e o líder do MPLA, fomentando um forçado braço-de-ferro e pseudo divisões no partido no poder".

A argumentação do director do JA foi entretanto desmentida por Isabel dos Santos, através da sua conta no Facebook.

A empresária publicou, na noite deste domingo, um post em que rotula de "informação falsa" a seguinte passagem do editorial assinado por Victor Silva: "A questão não deve ser posta no facto de Isabel dos Santos ser filha do ex-Presidente da República", acrescentando: "Se calhar, ou talvez por isso mesmo, a petrolífera nacional não conseguia os financiamentos externos necessários ao seu desenvolvimento por saber-se que no combate ao branqueamento de capitais há pessoas politicamente expostas, as chamadas PEP, que estão sob o radar do mundo financeiro mundial".

Apesar de não chegar ao ponto de defender que foi afastada por ser filha do antigo Chefe de Estado, a empresária parece sugerir isso mesmo.

Menos moderada, a irmã Tchizé chegou mesmo a acusar, no WhatsApp, o Presidente João Lourenço de perseguição pública.

João Lourenço, o exonerador implacável

No epicentro da "revolta" da deputada e filha do presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, está o fim da ligação da TPA às empresas de Tchizé dos Santos e Coréon Dú (Westside Investments e Semba Comunicação), até aqui "cativas" como fornecedoras de conteúdos para a televisão estatal.

A ruptura, por decisão do novo Chefe de Estado, aliada à exoneração de Isabel dos Santos da Sonangol, veio reforçar a clivagem com as escolhas do seu antecessor, já evidenciada na reestruturação dos conselhos de administração de empresas públicas nevrálgicas, ontem extensiva ao comando da Polícia Nacional e Serviço de Inteligência e Segurança Militar, bem como a outras chefias militares e de segurança.

Para além dos Petróleos, o "exonerador implacável", conforme João Lourenço se popularizou nas últimas semanas, mexeu na banca (com a substituição do governador do Banco Nacional de Angola) e noutros sectores-chave da economia: diamantes (nomeando novos PCA"s para Endiama e Sodiam); minérios (Ferrangol); e comunicação social, com a extinção do GRECIMA e indicação de novos presidentes para RNA, TPA e Edições Novembro.

Para além das mexidas nas lideranças das companhias estatais, João Lourenço pôs fim ao contrato do Estado com a Bromangol, empresa privada que detinha o monopólio das análises laboratoriais de alimentos e cujas ligações a José Filomeno dos Santos, "Zenú", outro dos filhos do ex-Presidente da República, sempre deram que falar.

Tal como agora se fala na sua possível saída da presidência do conselho de administração do Fundo Soberano de Angola, cenário que, por vontade de Zenú - já expressa em comunicado - não se irá cumprir.

Mas, conforme reconhece o controverso deputado João Pinto no Facebook, "a última decisão do Estado será sempre do Presidente da República que governa".