Esta declaração de António Guterres surge dois dias depois de Joseph Kabila ter confirmado que não vai forçar uma candidatura às eleições gerais de 23 de Dezembro, o que, apesar de a Constituição não permitir, estava a ser tentado pelos seus apoiantes mais próximos, incluindo do seu partido, o PPRD, que tinha lançado mesmo uma campanha de promoção da sua candidatura com a sua cara.

Face a essa possibilidade, a oposição e as organizações civis congolesas estavam claramente a preparar o regresso às grandes manifestações contra Kabila que nos últimos dois anos fizeram centenas de mortos e ameaçavam mesmo a estabilidade na região dos Grandes Lagos, onde Angola assume papel importante e o risco de propagação da instabilidade às suas fronteiras com a RDC, que se aproximam dos 2500 quilómetros.

É face a essa proximidade com a RDC que Angola tem nos últimos anos dedicado especial atenção às crises políticas no país vizinho e tem, aliado ao facto de o Presidente angolano, João Lourenço, dirigir o Órgão de Cooperação Política, Defesa e Segurança (OCPDS) da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, sido palco de várias Cimeiras de lideres regionais para discutir o problema.

Isso mesmo vai acontecer de novo no próximo dia 14, estado agendado um encontro em Luanda dos Presidentes de Angola, do Congo-Brazzaville, Gabão, Ruanda e Uganda e ainda o Presidente da Comissão Africana da União Africana, Moussa Mahama, com o foco colocado na RDC, embora em análise, segundo a agenda, vá estar a situação na África Central no seu conjunto.

Recorde-se que logo a seguir, três dias depois, a SADC realiza a sua Cimeira de Chefes de Estado e de Governo em Windhoek, na Namíbia, com a agenda a focar a questão da estabilidade política e o desenvolvimento da sub-região austral e dos vizinhos da África Central, onde vários países, como a RDC e Angola, por exemplo, integram ambas as organizações.

A decisão de Kabila sobre o seu futuro político vai estar, como tem sido a norma nos últimos dois anos, em cima da mesa, embora desta feita para, como se espera, para ouvir os elogios dos seus homólogos, até porque o Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que lidera também a SADC, já elogiou o Presidente congolês por se ter afastado da disputa eleitoral, e João Lourenço, líder do OCPDS também o fará nas próximas horas.

No entanto, apesar de Ramaphosa ter dito que Kabila estava, com a saída de cena, a cumprir a sua palavra, a verdade é que o Presidente da RDC nunca chegou dizer de viva voz que estava fora da corrida, fê-lo ao ter indicado como candidato da Frente Comum para o Congo (FCC), coligação que o apoiou e que integra, e é liderada pelo seu partido, o PPRD, o seu antigo ministro do Interior, Emmanuel Ramazani Shadary, um discreto político, que está na lista das sanções aplicadas pelo Comunidade Internacional, e que, segundo os analistas, permitirá ao ainda Chefe de Estado manter as rédeas do poder por interposta pessoa, neste caso o seu "delfim".

No entanto, como o ministro das Relações Exteriores angolano, Manuel Augusto, lembrou na sexta-feira, quando anunciava a mini-Cimeira do dia 14 em Luanda, a situação na RDC sofre um impulso positivo com a decisão de Kabila - tendo informado que o PR angolano vai em breve enviar uma mensagem a Kabila a felicitá-lo pela coragem demonstrada e pelo seu exemplo, que devera ser elogiado e a seguir - mas nem tudo está resolvido.

Isto, porque, se por um lado, um conjunto alargado de candidatos já depositaram as suas candidaturas formalmente, como é o caso de Emmanuel Ramazani Shadary, mas também dos pesos-pesados Jean-Pierre Bemba, antigo senhor da guerra, e antigo vice-Presidente de Kabila, entre 2003 e 2006, que esteve preso 10 anos pelo Tribunal Penal Internacional, e agora regressou, e de Félix Tshisekedi, líder da poderosa UDPS e filho do histórico Etienne Tsgisekedi, há um nome que ficou de fora e, pelo peso político que ostenta, pode ainda ser um potencial foco de problemas.

Esse nome é o de Moise Katumbi, antigo governador do Katanga e milionário homem de negócios, que viu a justiça congolesa engendrar uma série de expedientes para o manter afastado das urnas nas eleições de Dezembro, alegadamente por motivos relacionados com a sua documentação pessoal.