Quem passa pela sua banca de jornais, dificilmente não perde uns minutos a ouvir Adilson Manuel da Silva, de 27 anos, porque ele não vende apenas jornais, também os esmiúça, lê em voz alta as notícias, por vezes apenas um título na primeira página e discute com os clientes os temas de maior actualidade.

Isso mesmo encontrou o Novo Jornal online uma destas manhãs.

Cangaje, conta o próprio, foi ganhando notoriedade através dos seus "discursos" e, ao longo dos anos, a sua oratória fluida e incisiva chamou a atenção de dirigentes dos maiores partidos políticos do país que não resistiram a chamá-lo para as suas fileiras, como foi o caso da UNITA, da CASA-CE e mesmo do MPLA.

Conta o ardina-activista político que algumas das abordagens, como forma de o convencerem, foram no sentido de lhe prometerem formação académica para depois entrar na actividade político-partidária.

Foi, no entanto, por conselho do seu pai que optou por recusar: "O meu pai disse-me para não me meter na política!".

Mas Adilson sabe o que quer. Quer, quando acabar o curso do ensino médio em que está empenhado, e não é deixar a política de lado, pelo contrário... quer que um dia destes, em vez de estar a vender jornais e a comentar notícias escritas por outros, quer ser ele a escrevê-las.

"Quero ser jornalista", disse Cangaje ao Novo Jornal online, e explicou porquê: "Quando estou a fazer o meu trabalho - a vender e a comentar os jornais -, sinto-me como se estivesse a apresentar um jornal na televisão ou a escrever as notícias ou crónicas de opinião".

Mas, como facilmente compreende quem fala com este jovem ardina de 27 anos, o que ele gosta mesmo, e não o esconde, é de "informar a população", comentando "os conteúdos que os jornais privados expõem nas suas páginas".

É um homem de convicções fortes, garante... e essa é a justificação que dá quando explica o porquê de não vender o Jornal de Angola: "Sou um ardina com convicções e o Jornal de Angola não combina comigo porque não tem nas suas páginas nenhum conteúdo credível para a população. Nem a informação que o povo precisa".

Mesmo que isso seja mau para o negócio, até porque muitos clientes o questionam sobre o porquê de não estar a vender o jornal estatal angolano, Adilson, que assume "gostar muito" de política, mantém a sua posição: "Sou um ardina de convicções e só me interessa vender aquilo que acho ser útil para o povo".

Seja por isso, por causa das suas convicções, ou por outras, até porque este ardina não tem medo das consequências do que diz e faz, confiando na justiça das suas opções e sublinhando que não faz mal a ninguém ter opinião num país que se quer livre e democrático, a sua vida não tem sido fácil.

Depois de ter trocado a sua terra Natal, no Kwanza Norte, por Luanda, e já depois de ter começado a vender jornais, emprego com o qual consegue manter a sua família e estudar, foi "insultado muitas vezes", mas garante que nada o demoverá, até porque não tem "nem medo nem vergonha" do que faz para ganhar "honestamente a vida".

Um dos problemas que sublinha na sua longa história de tormentos que passou por causa da sua persistência a vender jornais e por causa da opinião que não esconde, foram as "perseguições dos fiscais".

Acusa mesmo os agentes da Polícia Nacional de lhe terem "ficado com o negócio", ou seja... apreenderam-lhe os jornais que estava a vender, a ponto de, a certa altura, "já ter uma dívida de 280 mil kwanzas", uma "fortuna para o rendimento" que tem com a venda.

Apesar das ameaças para "deixar de vender e de ficar calado sobre a política", Cangaje não cedeu e, com o passar do tempo, foram-no "deixando em paz", a ponto de "poder falar à-vontade" sem ser importunado.

E porque é que isso aconteceu? A esta pergunta, responde assim: "Acho que perceberam que apenas dou uma opinião sem ofender ninguém e procuro, para além de algum sentido de humor, incutir no que digo a razão e a justificação para a forma como vejo as coisas".

Mas há mais que apenas espalhar a sua opinião. Quando alguém lhe pede para ler uma notícia qualquer porque não sabe ler ou tem dificuldade de visão, pára tudo e senta-se com as pessoas a ler a notícia que lhe foi pedida.

Nesses casos só dá uma opinião se lhe for pedido para o fazer, porque Adilson da Silva sabe que no jornalismo "não se pode confundir informação com opinião".