Entrar no mercado da Estalagem é desolador. Por ali, os funcionários estão sentados à espera do nada. Com uma capacidade para receber 3.106 vendedores, hoje, apenas 20 pessoas vendem no recinto.

Joana Lucas, administradora, confessa ao Novo Jornal Online que o empreendimento erguido em 2012 está as moscas.

"Mercado está absolutamente abandonado porque os vendedores preferem as ruas e não querem o mercado onde as condições de higiene estão criadas", desabafa.

"É uma desgraça", diz Ana Pedro, vendedora desde 2012, juntando-se à conversa, e destacando que "o mercado possui lojas, armazéns, padarias, creche, um parque infantil, câmaras frigoríficas e outras condições que nenhum mercado de Luanda tem".

"A carência de vendedores tem complicado a nossa vida. É pena observar um mercado com uma capacidade de 3.106 pessoas, onde hoje apenas temos 20 vendedores", diz a ainda a administradora do mercado, afirmando que o "recinto foi construído com o objectivo de colocar um ponto final na venda desordenada que se verifica no município de Viana.

Face à situação de abandono em que se encontra o mercado, Mateus Nfumo, alfaiate de profissão, diz que se as autoridades adivinhassem, teria sido preferível erguer neste espaço uma maternidade.

"O espaço não está a ser valorizado. Se construíssem uma maternidade aqui era mas viável, porque as habitantes deste distrito são obrigadas a fazer os seus partos no hospital da Kapalanga".

A vendedora Arminda Panda, reformada que nunca abandonou o mercado desde a sua inauguração, considera que "a ausência de acompanhamento das entidades máximas dos municípios tem contribuído negativamente para a falta de recuperação do investimento feito pelo Governo".

"Não tenho informações concretas, mas segundo o que ouvimos na inauguração do mercado, o Governo terá gastado mais de oito milhões de dólares neste empreendimento indispensável para os habitantes do distrito da Estalagem", disse a reformada.

A situação cansa a administradora do mercado. Ao cair da tarde, segundo ela, "pessoas estranhas aparecem nos aglomerados das vendedoras ao longo da estrada distribuindo fichas para que ninguém as incomode.

"Não sabemos a proveniência dessas fichas. Mas já comunicámos à polícia para investigar a situação. Os autores desta prática devem ser responsabilizados", lamentou a administradora do mercado.

A ocupação das bancadas no mercado, segundo a administradora, é grátis, e cada vendedor só paga quando começar a vender os seus produtos.

"Cobramos cada bancada 100.00 Kuanzas e não entendemos o porquê das pessoas continuarem a venderem em zonas de risco e onde não há higiene", esclareceu.

Joana Lucas reconhece que a venda na rua, no distrito da Estalagem, se apresenta cada vez mais como um factor estrangulador da circulação rodoviária.

"A venda de alimentos, utensílios de cozinha, roupas, brinquedos e outros produtos continua, a ser uma constante nas principais ruas do distrito, mas temos mercado na região a deteriorar-se", reforçou, apelando aos vendedores para que ocupem os espaços vagos neste mercado formal.

As vendedoras com que o Novo Jornal Online falou alegam, no entanto, que no mercado da Estalagem "não se vende quase nada", razão pela qual, preferem comercializar na rua principal Luanda/Viana.

Fiscalização responsabiliza funcionários e não só

Ramiro Fernando Lemos é o responsável da fiscalização no distrito urbano da Estalagem. Ele culpa os funcionários públicos, e não só, como sendo os responsáveis do fomento da "Zunga" em Luanda.

"Eles (os funcionários públicos e outras pessoas) são parte deste problema de zunga nas ruas de Luanda. Mesmo com enormes riscos nas ruas, as pessoas compram cartões de saldos, roupas, produtos alimentares (...), acessórios de automóveis em plenas avenidas, aos zungueiros, o que é mau" criticou.

Lamentou que os fiscais do seu distrito (13) enfrentem enormes problemas para travar a onda da zunga que assola a região, denunciando que os seus homens muitas vezes são espancados.

"O fiscal é hoje o mau da fita. Por exemplo, o distrito não tem sequer uma viatura para fazer uma boa fiscalização. Como é que que vamos minimizar a zunga?", questionou, explicando que mesmo com a sensibilização por parte dos fiscais, "as zungueiras são reincidentes".

"Fazemos a apreensão dos produtos, mas amanhã estão novamente nas ruas a vender. Não é fácil ser fiscal", comentou Ramiro Fernando Lemos.

A fonte desmentiu o que as pessoas afirmam que "os fiscais e os polícias vêm quando querem e não trabalham em sintonia". "É um falso argumento. Quando agimos para resolver os problemas a sociedade faz muitas críticas contra nós. Por isso, a zunga em Luanda é trabalho de todos nós", frisou.

Ambulantes resistem as vagas disponibilizadas

As autoridades governamentais da província de Luanda têm mais de 56.521 vagas para receber vendedoras ambulantes, nos 64 mercados construídos na capital do país.

Influência dos políticos na zunga

Na opinião do responsável de fiscalização no distrito urbano da Estalagem, alguns partidos políticos têm jogado um papel negativo que tem vindo a contribuir para a permanência de zunga na capital.

"Quando a fiscalização toma alguma medida para conter a zunga, surgem logo críticas de alguns responsáveis dos partidos políticos, que no meu ponto de vista incentivam a zunga", esclareceu.

Segundo ele, o papel dos políticos é esclarecer as pessoas para terem a educação de comercializarem nos mercados construídos pelo Governo e não na via pública.

"Na rua vendem os militantes de todos os partidos políticos. Fica muito mal as pessoas venderem peixe em plenas avenidas, frutas, roupas e outros utensílios. Isto dignifica?", questionou.

Autoridades atentas apenas com mercados rentáveis

A atenção das autoridades de Luanda está virada, apenas, para os mercados onde aflui muita gente, penalizando os mercados abandonados.

Para o economista António Jaime Kiame, o Executivo de Luanda deve "urgentemente" fazer um diagnóstico dos mercados inactivos e tomar medidas para análise da situação.

"Milhões de dólares foram alocados para a construção de dezenas de mercados em Luanda. Até aqui, os estabelecimentos continuam às moscas e a zunga propaga-se diariamente.

"Algo vai mal", alertou.

O economista defende que a polícia e os fiscais municipais da província de Luanda devem começaram a apertar o cerco às vendedeiras ambulantes.