Na terceira sessão do julgamento em que é acusado, entre outros crimes, de burla por defraudação, Francisco Massota, de 54 anos, disse em sessão de julgamento que decorre no Supremo Tribunal Militar (STM), no interior das instalações do Instituto Superior de Ciências Policiais e Criminais Serra Van-Dúnem, que "será uma sorte se estiver vivo no final deste ano".

Tudo, porque, justifica o receio, tem feito neste julgamento denúncias graves sobre esquemas ilegais no interior da corporação.

Quanto ao pedido para que lhe seja fornecida protecção, o juiz respondeu que o tribunal não pode dar esse tipo de garantias.

O mesmo entendimento não tem o seu advogado, Cândido Brito, que lembrou em tribunal que essa garantia de segurança pode e deve ser dada visto que o seu constituinte fez revelações que claramente põem em risco a sua vida.

Algumas das revelações, como o NJOnline tem noticiado, são referentes à existência de milhares de efectivos-fantasma na folha de serviço da Escola de Polícia de Protecção e Intervenção, que detectou quando ali assumiu o cargo de director e que, depois de denunciar essa situação, acabou por ser exonerado como represália.

O comissário Massota afirmou que o então comandante Alfredo Eduardo Manuel Mingas 'Panda' o destituiu do cargo por orientação do ex-comandante-geral Ambrósio de Lemos, depois de o ex-director do departamento de recursos humanos da academia, António Cadete, ter dito ao comissário que tinham de o exonerar pois "poderia desvendar segredos que manchariam a reputação da corporação".

"Eu, quando notei que havia 4.500 fantasmas fui procurar o comissário Ambrósio de Lemos e expliquei-lhe que na escola havia duas folhas de salário, sendo a verdadeira de 600 efectivos e a falsa composta por 4.500. O comandante Ambrósio de Lemos disse-me 'Massota volta para a tua unidade que eu vou resolver o problema'".

Segundo Massota, "a situação manteve-se", e, após a entrada do comissário Panda, foi exonerado, "porque poderia manchar a imagem da Polícia Nacional se revelasse estes segredos".

O oficial, que chegou a esta Escola de Polícia, em Luanda, em 2013, oriundo do comando provincial do Zaire, aconselhou ainda os magistrados a irem até ao Comando Geral da Polícia Nacional na direcção do departamento que processa os salários para melhor analisarem as folhas de salários de 2005 a 2017, data em que foi exonerado.

Disse ainda para contactarem o Ministério das Finanças porque as folhas encaminhadas eram alteradas a partir do comando geral.

"Na polícia há muitas coisas ilegais, aconselho os órgãos competentes a inspeccionarem bem o Comando Geral da PN pois aí existem muitos 'gatos'"

Elizandra Tomás, de 24 anos, agente da Polícia Nacional (PN),e a segunda ré a ser interrogada, disse em tribunal que entregou 30 milhões de Kwanzas ao comissário Massota, para integrar 100 candidatos que juntaram o pagamento de 300 mil kz cada aos processos individuais.

Além de afirmar ter participado do crime, Elizandra afirmou aos juízes que não beneficiou deste dinheiro, porque quando recebia os valores e os processos das pessoas, os entregava imediatamente ao comissário Massota.

"O montante dos valores que o senhor comissário Massota recebeu foi de 30 milhões de Kwanzas", disse a ré, questionada pelo magistrado do Ministério Público (MP) como e porque é que aceitou a missão de receber processos individuais e 300 mil kz de cada candidato.

A ré respondeu, dizendo que não sabia que se tratava de um esquema de burla e só aceitou executar esta tarefa porque se tratava de um comissário da Polícia Nacional e director da Escola de Polícia de Protecção e Intervenção.

"Procurei satisfazer as pretensões do senhor comissário Massota, na altura director da escola, para não ser punida por desobediência a um superior hierárquico", expôs, destacando que foi incumbida desta missão pelo comissário quando terminou o seu curso de Ordem Pública.

Segundo a ré, o réu Massota diversas vezes lhe ofereceu dinheiro para agradecer pelo serviço que estava a realizar.

"Nunca aceitei receber dinheiro em troca do favor que eu fazia ao réu Massota. Ele (o comissário Massota) foi quem me colocou na Polícia Nacional. Por essa razão, não aceitava receber nada em troca", frisou.

Durante o depoimento da ré Elizandra Tomás, Francisco Massota disse ao juiz que não podia continuar na sala de audiência porque não se sentia bem, queixando-se de uma súbita subida de tensão.

O juiz, tenente general Domingos Salvador, cancelou a audiência.

"A audiência fica cancelada e só podemos retomar o julgamento quando o réu Massota estiver bem de saúde, posto isto, ficamos sem nova data para o julgamento", disse.