O caso está a ser julgado no Supremo Tribunal Militar (STM), no interior das instalações do Comando do Estado-maior do Exército.

De acordo com um dos representantes do Ministério Público (MP), que proferiu a leitura dos autos na primeira sessão de julgamento, em Novembro de 2017, o réu foi informado pelo ministro da Defesa que seria exonerado das suas funções e que posteriormente passaria à reforma.

"Na reunião do Conselho de Segurança Nacional realizada no dia 20 de Novembro de 2017, foi decidida a referida exoneração e a indicação do substituto do mesmo. Uma vez exonerado, devia ocorrer um acto formal de passagem de pasta, do anterior chefe para o substituto", disse, revelando que sem que este acto ocorresse, o general Zé Maria ordenou ao coronel Eurico Manuel, então chefe dos transportes do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, que fosse ao seu gabinete e retirasse documentos e os guardasse em local por ele indicado", relatou o representante do Ministério Público.

"Entre os documentos retirados do gabinete do general pelo seu subordinado constam documentos classificados como sendo de caractér militar, onde se incluem também os referentes à batalha do Cuíto Cuanavale".

Segundo a acusação, os documentos referentes à batalha do Cuíto Cuanavale "foram obtidos de forma onerosa, conforme atestam as folhas 106 e 140 dos autos, num valor acima de mais de dois milhões de dólares norte-americanos, e cujo receptor foi o cidadão luso-sul africano-moçambicano, Manuel Vicente da Cruz Gaspar", continuou.

"O novo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar, general Apolinário Pereira, declarante nos autos, ao tomar conhecimento da atitude do réu, informou o declarante Fernando Garcia Miala, actual chefe do Serviço de Inteligência e de Segurança de Estado", contou.

"Fernando Garcia Miala levou o assunto ao Presidente da República e comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA), tendo-lhe sido ordenado que contactasse o general Zé Maria, para que, no prazo de 24 horas fizesse a entrega de todos os documentos retirados por serem património do Estado angolano", explicou.

O MP fez saber ainda que na data dos factos o réu foi contactado e convidado a fazer-se presente nas instalações do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado para que fosse transmitida a ordem do Comandante-em-Chefe.

"Ele (o réu) negou-se a aparecer, propondo, em contrapartida, que o encontro com o general Fernando Garcia Miala ocorresse no restaurante Jango Veleiro, situado à entrada da Ilha de Luanda... Embora contrariado, porque o local não é uma área de serviço, o general Miala sentiu a necessidade e a responsabilidade de cumprir a ordem que lhe havia sido dada pelo Comandante-em-Chefe, acedeu e deslocou-se ao local proposto", descreveu.

"No local, o general Miala entrou na viatura onde se encontrava o réu, uma vez transmitida a ordem do Comandante-em-Chefe. O réu negou-se a cumprir, e, de forma perentória, disse que só faria a devolução se lhe fosse ordenado pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos", conta, destacando que a atitude do réu levou a que o assunto fosse levado ao conhecimento dos órgãos de justiça e deu lugar ao presente processo-crime.

"Os documentos foram recuperados já no decorrer do processo, por ordem dos representantes do Ministério Público, diante de mandato e auto de apreensão tal como espelham as folhas 54 e 56 nos autos", aponta, divulgando que o réu vem acusado "por crime de insubordinação, em concurso real com os crimes de resistência a superior, extravio de documentos, aparelhos ou objectos que contêm informação de carácter militar, e conduta indecorosa.

Na sua contestação, o advogado de defesa, Sérgio Raimundo, pediu a absolvição do arguido "por não ter praticado os crimes de que vem acusado".

Sérgio Raimundo alegou ainda que não foi respeitado o princípio do contraditório, porque o tribunal recebeu a acusação do Ministério Público "sem antes ouvir a contra-parte", e que "não colhe" o crime de extravio de documentos, porque os documentos não estão desaparecidos, sustentando que consta dos autos o mandado de revista, busca e apreensões.

Estão arrolados como testemunhas no processo-crime contra o general Zé Maria os jornalistas da TPA Ernesto Bartolomeu, Isidro Sanhanga e Mário Vaz, pelo facto de os mesmos terem apresentado documentários e programas que reportavam factos sobre a batalha do Cuíto Cuanavale.

Estão de igual modo arrolados no processo como declarantes os deputados Higino Carneiro e Monteiro Leal Ngongo e o ex-presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos.

O julgamento prossegue amanhã, quinta-feira,12, com a audição do arguido, general "Zé Maria".

Fazem parte do colectivo de juízes o conselheiro presidente do Supremo Tribunal Militar, general António dos Santos Neto, e os adjuntos tenente general Carlos Vicente e Fernando Tavira, juízes conselheiros.