Contrariando a sensação geral de que a corrupção é o crime responsável pelos maiores problemas em Angola, Luís Mota Liz aproveitou uma conferência comemorativa do 26º aniversário da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE), na segunda-feira, para colocar o foco noutro crime pouco falado mas que o magistrado considera ainda mais responsável pela deterioração do Estado: o peculato.

A diferença entre o peculato e a corrupção é que o primeiro consiste na apropriação indevida de bens públicos por parte de titulares de cargos públicos que estavam à guarda destes, sob sua responsabilidade, como, por exemplo, verbas para investir na promoção do investimento que são desviadas para os próprios gestores públicos, enquanto a corrupção resulta essencialmente do pagamento a funcionário para a obtenção de vantagens em prejuízo de terceiros.

Luís da Mota Liz, citado pela imprensa, explica que em Angola não foi nem é a corrupção o crime responsável pela maior parte do enriquecimento ilícito, mas sim o peculato: "Foi por peculato" que se chegou, na maior parte das situação, à arrecadação de fortunas através da prática de crimes, ou seja, "dinheiros que os gestores tinham à sua guarda para dar destino e desviaram-nos".

E, como sublinhado da gravidade que atribui ao crime de peculato, Mota Liz nota que este tem uma moldura pena superior à corrupção e que por isso mesmo não foi abrangido pela última amnistia, que englobava crimes punidos até seis anos de cadeia, sendo o peculato passível de condenação até 12.

"No plano patrimonial é o peculato, às pessoas são-lhes confiados bens para gerir, dinheiro, recursos, apropriam-se e isto ocorre na função pública primordial, como naquela secundária. Adquire-se um bem do Estado, passa-se para o nome do gestor, é crime, é peculato, é preciso que se denuncie", disse o PGR-adjunto aos jornalistas no final da sua intervenção.

Lembrando que a prática deste tipo de crimes foi tão abrangente nos últimos anos que "as pessoas perderam o medo" de o praticar, sublinhando a necessidade de criar mecanismos mais eficazes de inspecção, como a IGAE ou o Tribunal de Contas, bem como uma forte aposta na profilaxia através da educação e sensibilização para o prejuízo que causa à imagem do país.

E deixou um aviso às autoridades responsáveis pelo combate a este tipo de criminalidade, sublinhando que normalmente são "pessoas muito inteligentes e com boa reputação, têm dinheiro e fazem tudo para ter os melhores advogados".

Face a isso, Luís da Mota Liz entende que "a polícia de investigação criminal deve ser suficientemente especializada para ir buscar os elementos todos", ter os meios suficientes para combater este crime, porque, acrescentou, é normalmente cometido por pessoas com elevado estatuto social mas que cometem os piores e mais graves crimes para o Estado e a sociedade, sendo que só raramente são punidos, apesar de não faltarem denúncias nem exemplos de impunidade.

E lançou um conjunto de questões: "Entre nós quantos são punidos, quantos exemplos de julgamento, como é que conseguem, não cometem crimes? Temos consciência para dizer que os nossos titulares de cargos públicos não cometem crimes, creio que não. Temos vários exemplos, por que é que não chegaram a julgamento? Os recentes escândalos, BNA, Cesil, CNC, por que é que falharam? Até foram denunciados".