A audaz operação militar da organização islâmica Hamas nos territórios do Sul de Israel, que teve lugar na madrugada de Sábado e despoletou uma reacção israelita que ninguém pode prever a dimensão que terá nas próximas semanas, levantou os mesmos receios e as mesmas questões de sempre: isto vai afectar o fluxo de petróleo do Golfo Pérsico e do Mar Arábico.

Essas questões não foram respondidas ao longo do fim-de-semana e os mercados estão, na manhã desta segunda-feira, 09, a confirmar essas dúvidas com uma inquietante subida do valor da matéria-prima, que, se por um lado, alegra os produtores/exportadores, assusta os consumidores.

Neste emaranhado de dúvidas, o barril de Brent saltou, logo na abertura da sessão mais de 3%, para os 88,50 USD embora tenha depois corrigido e perto das 11:00, hora de Luanda, estava nos 87,26 USD, mais 3,11% que no encerramento da passada sexta-feira, no fim de uma semana trágica em que o barril passou da luz dos mais de 90 USD para as trevas abaixo dos 85 USD no dia 05.

Como sublinha a Reuters, existe sempre o risco, na perspectiva dos mercados, de que pequenas faíscas sejam suficientes para rebentar o barril de pólvora que o Médio Oriente é há décadas.

Só que o problema, desta vez, pode não ser igual a tantas outras faíscas que já levantaram receios no passado, porque a operação "Dilúvio Al-Aqsa" das Brigadas Al-Qasam, do Hamas, não é semelhante a nada no passado.

Ao tremendo sucesso conseguido na tomada, mesmo que momentânea, de territórios israelitas, chegando mesmo a ocupar parte da cidade de Ashqelon, com quase 150 mil habitantes, apanhando de surpresa a poderosa e famosa intelligentsia israelita, a Mossad é um desses pilares, o Hamas conseguiu demonstrar fragilidades nas Forças de Defesa de Israel (IDF) que nunca tinham sido expostas.

E as suspeitas de que o Irão foi preponderante na preparação desta operação, embora Teerão já tenha negado, aumentam o risco de Israel apontar as suas armas de longo alcance ao gigante persa, ou mesmo os EUA que, numa manobra que muitos consideram insensata, enviaram a sua 6ª frota, onde se destaca o porta-aviões Gerald Ford e os seus contratorpedeiros, para as costas mediterrânicas de Israel, o que constitui uma ameaça aos países árabes da região que tradicionalmente estão solidários com os "irmãos" palestinianos.

Para já, no que toca ao negócio do crude, fica em evidência a reversão da tendência de perda registada nas duas últimas semanas, onde o barril passou de uns estratosféricos 96 USD para uns "miseráveis" 84 USD, com os receios sobre a procura nas grandes economias EUA e China, a determinarem essas quebras, que foram superiores a 10%.

Nos próximos dias ver-se-á para que lado balança o mercado global de crude, se se impõem as fragilidades nas maiores economias do mundo ou se se agigante o medo de alastramento do conflito Israel-Palestino para o resto do Médio Oriente.

Até porque esta nova faísca israelo-árabe pode fazer colapsar os esforços pantagruélicos de Washington para que sauditas e israelitas se aproximem diplomaticamente e estabeleçam relações normais, o que era uma importante etapa do ocidente desejoso de ver o barril em preços menos quentes de forma a ultrapassar os problemas de inflação e mesmo recessão na Europa Ocidental e nos EUA.

Isto tudo sucede quando os indicadores globais, como a produção industrial chinesa, a produção real de crude no mundo e as altas taxas de juro nos EUA, empurravam o barril cada vez mais para baixo da fasquia respirável dos 90 USD para as economias petrodependentes, como a angolana.

Com estas garantias dadas pela OPEP+, aorganização que desde 2017 agrega os Países Exportadores (OPEP) e um grupo de desalinhados encabeçado pela Rússia, os mercados perceberam o recado e o barril começou de novo a inchar, ligeiramente, anda antes deste conflito eclodir.

Tudo, depois de o painel interministerial da OPEP+ ter, na passada semana, optado por manter inalterado o seu programa de cortes na produção, da qual é responsável por 50% de todo o crude extraído no planeta.

Desde 2022 que a OPEP+ mantém a produção abaixo do seu potencial actual em 3,6 milhões de barris por dia (mbpd), 2 mbpd no ano passado e 1,6 mbpd já este ano, além do 1,3 mbpd cortados de motu proprio pelos sauditas e russos, 1 mpd os primeiros e 300 mbp os segundos, até ao fim do ao corrente.

Porém, os riscos estão ao virar da equina, desde logo na China, onde o gigante asiático parece estar em dificuldades para sair do pântano dos últimos dois anos, com a produção industrial a oscilar entre altos e baixos, mas com uma crise no imobiliário que tarda em deixar de assustar, não só Pequim mas também o resto do mundo.

Na Europa Ocidental, as coisas vão de mal a pior, com os efeitos catastróficos da guerra na Ucrânia a fazerem-se sentir com mais e mais intensidade, a ponto de o motor da economia europeia, a Alemanha, estar a atravessar uma crise histórica e em recessão que ameaça prolongar-se. E, como se sabe, se a economia alemã tropeça, a europeia cai mesmo... como é o caso actual, com o consumo em queda livre desde o início do ano.

Também os EUA, muito pelas mesmas razões, ou seja, sem conseguir sair do buraco criado no início de 2022 com o conflito na Ucrânia, as altas taxas de juro, a inflação tórrida e a queda substantiva do consumo, estão a criar problemas... e a esvaziar os stocks de crude da maior economia mundial e o maior consumidor de crude...

Contas nacionais

Para Angola, que é um dos produtores e exportadores que mais dependem da matéria-prima em todo o mundo, devido à escassa diversificação económica, manter o Brent acima dos 90 USD - apesar da turbulência visível nesta semana ameaçar o cenário positivo -, é uma necessidade evidente, porque permite diluir os efeitos devastadores da crise cambial e gera superavit relevante face ao valor de 75 USD por barril com que foi elaborado o OGE 2023.

O petróleo representa hoje mais de 90% das suas exportações, corresponde até 35% do PIB e garante cerca de 60% dos gastos de funcionamento do Estado.

Aliás, o Governo de João Lourenço tem ainda como motivo de preocupação uma continuada redução da produção de petróleo, que se estima que seja na ordem dos 20% na próxima década, estando actualmente pouco acima dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), muito longe do seu máximo histórico de 1,8 mbpd em 2008.

Por detrás desta quebra, entre outros factores, o desinvestimento em toda a extensão do sector, deste a pesquisa à manutenção, quando se sabe que o offshore nacional, com os campos a funcionar, está em declínio há vários anos devido ao seu envelhecimento, ou seja, devido à sua perda de crude para extrair e as multinacionais não estão a demonstrar o interesse das últimas décadas em apostar no país.

A questão da urgente transição energética, devido às alterações climáticas, com os combustíveis fosseis a serem os maus da fita, é outro factor que está a esfumar a importância do sector petrolífero em Angola.