É preciso desfolhar o calendário para trás, até 25 de Outubro de 2018, para chegar ao dia em que o barril valia 76,88 USD mas uns dias depois, a 01 de Novembro, esse valor descia para 72,89, o que faz com que os 74,19 USD que o gráfico marcava hoje, perto das 10:50, de Luanda, seja um valor recorde de mais de três anos.

Por detrás desta escalada está a conjugação de vários factores com destaque para três: a maior procura, a diminuição dos stocks nas grandes economias e a forte expectativa de que a pandemia da Covid-19 está mesmo, apesar do surgimento de novas e virulentas variantes, como esta, a ser derrotada pelas massivas campanhas de vacinação nos grandes blocos económicos mundiais, como a Europa, os EUA, a China ou as robustas economias do Japão e dos "tigres" asiáticos, bem como a aparente diminuição da crise pandémica indiana.

Face a este cenário em fundo, e com as medidas em curso pela OPEP+, organização que junta a histórica OPEP a 10 não-alinhados liderados pela Rússia, com mais de 5 milhões de barris por dia (mbpd) retirados de circulação como fora de equilibrar os mercados face ao impacto da crise pandémica no encolhimento do consumo a partir de Março de 2020, o céu parece ser o limite para esta ascensão do barril.

E a fasquia dos 80 USD já é vista pelos analistas como uma etapa e não como um fim, embora seja agora uma questão de tempo, sendo a única dúvida saber qual o máximo que será alcançado até ao final de 2021.

Os analistas entendem que o continuado desconfinamento na Europa, EUA e China... vai favorecer de forma substantiva o consumo de combustíveis refinados, desde logo o jet para a aviação, sector que está a recuperar a olhos vistos depois de longos meses de aterragem forçada, o que é uma componente, a par do sector marítimo - juntos representam 20% do consumo de crude no mundo - fundamental para o aumento da procura da matéria-prima.

E até a Agência Internacional de Energia (AIE), depois de ter libertado um relatório histórico onde propõe o fim absoluto dos novos investimentos em pesquisa de forma a pressionar a transição energética por causa da urgência em travar as alterações climáticas, veio agora, num tímido mas notado, fazer um recuo nessa posição, pedindo aos produtores que libertem mais crude para os mercados de forma a evitar o estrangulamento na oferta.

Isso, porque a própria AIE estima que, ainda este ano, o consumo de crude recupere quase 6 mbpd face aos efeitos da pandemia, para a margem dos 97 mbpd, mito porque os números do consumo nos EUA e China, os dois maiores consumidores do planeta, não parecem querer abrandar.

E algumas das mais importantes casas financeiras do mundo, como a Goldman Sachs, mantêm um olhar fortemente optimista para o aumento do preço do barril, argumentando com o evidente aumento da procura face às melhorias tanto nos dados referentes à procura como naquilo que os justifica, os dados das maiores economias mundiais.

O relatório histórico da AIE

Nesse relatório, como o Novo Jornal noticiou aqui, a AIE enfatiza a urgência de reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa para procurar salvar a vida no Planeta Terra até 2050, data limite avançada pelo Acordo de Paris e reforçada diariamente pelas Nações Unidas.

Esse objectivo exige vários passos e reduzir o consumo de petróleo, gás natural e carvão são os principais. É isso mesmo que a Agência Internacional de Energia, o mais relevante organismo no sector energético, propõe no seu último e mais radical relatório desde que foi criada, em 1974.

Para a AIE, uma organização criada em 1974 no âmbito da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), o que está em cima da mesa, olhando para o seu relatório "Mapa para o objectivo de emissões zero em 2050", divulgado esta semana, é simples, radical e brutal: acabar de imediato com a pesquisa por novas reservas de crude e gás e dar por findo o uso do carvão para produção de energia, acabar com a venda de veículos de passageiros de combustão interna até 2035 e em 2040 todo o sector energético tem de estar livre das emissões poluentes.

Este tipo de propostas não são novas e são, até, comuns em ONG"s ambientais mais radicais, ou até mesmo nas acaloradas intervenções do preocupado Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que não se tem poupado a esforços para sensibilizar os lideres mundiais para a urgência da acção face ao galopante aquecimento global que ameaça condenar à extinção milhares de espécies da fauna e da flora e, no fim, da própria humanidade.

Mas é para não ignorar quando uma proposta com este conteúdo radical chega de uma organização como a AIE, que foi criada no rescaldo de mais uma grave crise petrolífera, em 1974, com o objectivo de gerar estatísticas para os mercados petrolíferos - a mais credível neste âmbito em todo o mundo - e controlar as disrupções no fornecimento de crude, evoluindo nos anos seguintes para abarcar todo o sector energético e, hoje, com forte empenho na questão das energias limpas, colocando-se na linha da frente da análise sobre a crise climática, sendo uma espécie de think thank para a abordagem ao que o rápido aquecimento global exige da humanidade.

Neste relatório "Emissões zero em 2050 - um mapa para o sector global da energia / Net Zero by 2050 - A Roadmap for the Global Energy Sector" está contido, não vale a pena ignorá-lo, uma séria ameaça às economias que mais dependem das exportações de crude e gás natural, como é o caso de Angola, sendo, ao mesmo tempo, um alerta robusto para a urgência de mudar a agulha para as energias limpas e diversificação das fontes de rendimento" sob risco de essas países serem apanhados em contra-mão com o resto do mundo.

E quem mais parece estar atento a estas mudanças dramáticas impostas pela transição energética são as grandes multinacionais do petróleo e do gás que, como o Novo Jornal lembrou aqui, estão claramente, quase sem excepção, a virar as suas atenções, empenho e músculo financeiro para as energias não-poluentes, reduzindo de forma substancial o investimento na pesquisa por novas reservas em hidrocarbonetos.