Fui testemunha, como Bispo-auxiliar de Luanda (1974 - 1975), dos acontecimentos e situações ocorridos antes da proclamação da Independência, como, então Bispo do Sumbe (1975 - 1995), testemunha das celebrações do 11 de Novembro (1975) por todo o País, bem como testemunha da subsequente guerra civil (1975 - 1992) e por aí adiante.
Vice-presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), depois seu Presidente (1997 - 2002), Adjunto do Fundador e Presidente do "Movimento Pro Pace", Sr. Dom Francisco da Mata Mourisca, Bispo do Uíge, Co-fundador do Comité Inter-eclesial para a Paz em Angola (COIPEA) (2000), detentor do Prémio Sakharov - 2001 e galardoado com a Medalha da Independência por Sua Excia. o Sr. Presidente da República, General João Manuel Gonçalves Lourenço, no passado dia 29 de Maio.
Acho-me, portanto, capacitado para dizer alguma coisa sobre o spot em epígrafe.
1. Ele manifesta o regresso ao Absolutismo como Sistema Político que vigorou nos séculos XVI a XVIII no Ocidente europeu.
Estamos lembrados de Nicolau Maquiavel, com o seu livrinho "O Príncipe", de Jacques Bossuet, grande orador que, a partir do Evangelho de S. João 19, 11, defendeu o poder do Soberano como uma emanação do poder divino. Estamos lembrados de Thomas Hobbes, na Inglaterra, no seu livro Leviatã, também inspirado na Bíblia, a defender, como os dois acima referidos, a concentração do Poder na pessoa do Soberano ou de um Grupo, por concertação social de modo a exercer a autoridade totalitariamente e independente de outros poderes e instituições do Estado.
Luís XIV, na França, o Rei-Sol, é o exemplo acabado do Absolutismo político; morto o seu Primeiro-Ministro, proíbe aos meus Ministros e Secretários de Estado a tomarem decisões sem o seu conhecimento e consentimento.
2. As consequências do Absolutismo não se fizeram esperar: despotismo, nepotismo, assalto (impune) ao erário... Naturalmente, também não tardaram as reacções a contrariar o sistema. Foi assim que surgiu o MERCANTILISMO, que, no caso angolano, tomou o nome de Diplomacia económica.
Dos seus pilares podemos destacar dois: - Partir do zero, mesmo que o seu "Príncipe" tenha tido cargos no governo anterior; - Partir em busca de colónias de exploração... "em mares nunca dantes navegados", o que eu dizia falando de "Alianças venais" no meu primeiro livro. Os muitos acordos assinados ultimamente, quase todos visam "agricultura e segurança", revelando, infelizmente, essa mentalidade.
3. Correspondendo às críticas do tempo, o MERCANTILISMO encontrou sua tábua de salvação no conceito "LIBERALISMO", conceito que em si admite outros conceitos mais aceitáveis, como DEMOCRACIA social, que já vinha dos clássicos gregos e PLURALISMO cultural, mais perto do pluralismo político. É desse LIBERALISMO que os Estados modernos se vestem, mesmo mantendo os seus "pecados originais" de absolutismo e mercantilismo. É assim que hoje se fala de capitalismo selvagem ou de capitalismo mais liberal.
4. A Igreja, Mãe e Mestra, procurou, à luz do Evangelho, propor uma solução mais adequada à dignidade da pessoa, elaborando uma Doutrina Social que correspondesse à Revolução Industrial iniciada no fim do Século XVIII. O Papa Leão XIII, com a sua Encíclica "Rerum Novarum" (1891), deu o primeiro sinal. A partir de então todos os Pontífices incluíram no seu magistério ensinamentos sobre esta matéria, como lemos no compêndio da Doutrina Social da Igreja .
O Papa S. João XXIII, por exemplo, na sua Encíclica "Pacem in Terris" (1963), assentou em quatro pilares a Paz que a Terra necessita: Justiça, Verdade, Liberdade e Amor.
E o Papa S. Paulo VI, além da Encíclica "Populorum Progressio" (1967), escreveu, em 1968, a primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, celebrado no primeiro dia de cada ano (1 de Janeiro), e lançou a expressão "Por uma Civilização do Amor". Essa Mensagem do Dia Mundial da Paz é enviada a todos os Chefes de Estado, independentemente do seu credo, isto é, para todos recordar ou chamar a atenção para assuntos que afectam a HUMANIDADE.
"A finalidade imediata da Doutrina Social é a de propor os princípios e os valores que possam sustentar uma sociedade digna do homem. Entre estes princípios,
o da solidariedade, em certa medida, compreende todos os demais: ele constitui «um dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e política» - S. João Paulo II, na Encíclica Centesimus annus n.º 10 (1991), recordando a Rerum Novarum".
O Papa S. Paulo VI fala expressamente da "Civilização do Amor", e o Papa Francisco deixou-nos a "Fratelli Tutti" (2020), falando da fraternidade e da amizade social para construir um Mundo melhor, rumo a "Novos Céus e a Nova Terra" (cf 2 Ped 3, 13) anseio lactente em todos os seres humanos como sentimos nos grandes eventos que ultimamente assistimos: a Cimeira USA-África (Luanda, 22-25.Junho.2025), Conferência da ONU sobre Financiamento para o Desenvolvimento (Espanha-Sevilha, 30.Junho.2025), reunião dos BRICS (Brasil - Rio de Janeiro, 4-7.Julho.2025);
Concluo com a mão na consciência.
A Santo Agostinho, Bispo de Hipona, atribui-se a frase: "A Esperança tem duas filhas que se chamam Indignação e Coragem". A primeira, dá-nos conta do que está mal, e a segunda, nos encoraja a "corrigir o que está mal e a melhorar o que está bem".
Eu cá desposei as duas meninas e tive como padrinho de casamento o autor de "Sagrada Esperança".
Por isso, reconheço que:
. Ainda vamos a tempo de evitar uma 2ª edição do 27 de Maio de 1977; nesse, tivemos um Agostinho Neto que, apesar dos pesares, teve a coragem de mandar parar os massacres.
. Ainda vamos a tempo de evitar um pós-eleições de 1992... ou de 2022, em que todo o mundo soube quem perdeu as eleições. A ORION e a Comissão Nacional de Eleições (CNE) trabalham de Janeiro a Dezembro de cada ano, haja ou não eleições, a expensas do invisível "Patrão"...
. Ainda vamos a tempo de desmantelar, sem violência física (mas espiritual), as estruturas da Mentira e do Pecado.
. Ainda vamos a tempo de sentar para, olhos nos olhos, "corrigir o que está mal e melhorar o que está bem"...
. Ainda vamos a tempo de Pensar Angola, que herdámos do nosso encontro com a cultura portuguesa.
Pelo slogan inicial: "o MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA", entrou o Absolutismo e o Mercantilismo, ainda vigentes;
Pelo slogan final: o meu Patrão é o Povo e o Povo é o meu Patrão", deve entrar "a SOLIDARIEDADE, um dos princípios basilares da concepção cristã da organização social e política". O mesmo Pontífice que disse isto, repetiu o mesmo pensamento no Aeroporto 4 de Fevereiro, em Luanda, em 1992, quando visitou Angola. "Sr. Presidente, hoje, o nome de Angola evoca já mundialmente, um povo cioso da sua liberdade e empenhado na construção da sua identidade histórica... Que ninguém desanime perante as inevitáveis dificuldades! Encorajo todos e cada um, nomeadamente, os responsáveis pelos destinos da Nação, a que se empenhem cada vez mais no caminho da solidariedade, por uma crescente entre-ajuda e aceitação mútua de todos os angolanos!".
. Finalmente, ainda vamos a tempo de orar como Jesus Cristo nos ensinou:
"Pai, santificado seja o teu nome;
Venha o teu Reino;
dá-nos o nosso Pão de cada dia;
Perdoa os nossos pecados,
Pois também nós perdoamos
a todo aquele que nos ofende;
e não nos deixes cair em tentação,
Ámen.
(Lucas 11, 2 - 4)
Somos todos peregrinos da Esperança
1 "Jesus respondeu: nenhum Poder terias sobre Mim se do Alto te não fosse dado".
2 Is 27, 1
3 Paulinas - Editora;
3 Compêndio da Doutrina Social da Igreja, N.º 580 - citando a Centesimus annus de João Paulo II;
4 Alocuções - pág. 10 n.º 3 b.
*Arcebispo Emérito do Lubango
O meu patrão é o povo
Depois de ver e ouvir semanas a fio no noticiário das 20h00 da TPA - Canal 1, o spot nascido da visita do Sr. Presidente da República à nova Província do Moxico-Leste, em 06 de Junho de 2025, e a subsequente entrevista concedida à TPA, dias depois, senti-me na obrigação de, Mais-velho que sou, esclarecer o pacato angolano ora definido "PATRÃO". Também eu concordo plenamente que "o mais importante é o Povo", conjunto de pessoas com dignidade, direitos e obrigações iguais.
