Penso que a resposta a esta questão deve situar-se em dois níveis distintos:

1 - O caso Rabelais visto isoladamente;

2 - No plano mais global do combate à corrupção e da natureza da corrupção em Angola.

Se olharmos para o caso Rabelais isoladamente, isto é, se centrarmos a nossa atenção na árvore, perdendo de vista a floresta, a condenação de Manuel Rabelais é justa. O juiz da causa analisou as provas sobre os factos de que o réu é acusado, que são muitas, ateve-se à lei e com a sua consciência ponderou sobre factores que poderiam atenuar ou agravar a condenação e ditou a sentença que conhecemos. Analisadas as coisas nesta perspectiva que considero reducionista, não há como contestar a sentença ditada pelo juiz da causa.

Contudo, este caso deve, em minha opinião, ser analisado numa perspectiva mais complexa, entranhado no contexto em que se insere e deste ponto de vista é um caso que interpela o pensamento complexo como forma de alcançar uma análise mais profunda, transversal e multiaxial. Assim, a forma de olhar para a árvore (o caso Rabelais) sem perder de vista a floresta é inseri-lo na perspectiva mais global do combate à corrupção.

Tal como o julgamento de Manuel Rabelais demonstrou, a meu ver, de forma bastante clara, os assaltos ao erário praticados na gestão de José Eduardo dos Santos eram, na verdade, medidas de política que, por conseguinte, visavam fins políticos bem delimitados e objectivos. A própria criação do GRECIMA é uma destas medidas de política que eram adequadas para o regime e que se prestava a uma gestão opaca. O Orçamento do GRECIMA era retirado da verba alocada à Presidência da República e de outros fundos obscuros de que a Presidência se servia abusivamente naquele contexto. Ninguém ousava fiscalizar ou pedir contas à Presidência da República e, de modo geral, todas as unidades gestoras afectas à Presidência dispunham de almofadas ou colchões financeiros refastelados, enquanto outros sectores se contorciam em pobres esteiras. Neste sentido, Manuel Rabelais foi apenas um operador menor de um vasto esquema, um peão numa teia onde as Ordens Superiores imperavam sendo de cumprimento cego e obrigatório.

Os grandes operadores do esquema que emanavam as Ordens Superiores e que "puniam severamente" os incumpridores (quem se atrevia?) são perfeitamente conhecidos, não se escondiam e faziam da ostentação de riqueza o seu estilo de vida. Contudo, estes barões continuam longe da alçada da Justiça, e mesmo a recuperação de activos que vem sendo propalada constitui, para estes senhores, um alívio, pois, através dela, repassam para o Estado passivos que se vinham acumulando a níveis incomportáveis. Sabemos, por exemplo, que os ex-detentores da TV Zimbo já vinham enfrentando sérios problemas com encargos relacionados com os salários dos trabalhadores e que, por isso, a inclusão na TV Zimbo no património do Estado constituiu um grande alívio, pois este passivo foi assim repassado para o Estado. Daí que faz sentido uma questão que é também recorrente: O Estado está mesmo a recuperar activos ou passivos?

Assim, se alargamos desta forma a amplitude de análise do caso Manuel Rabelais, inserindo-o no sistema complexo, que é o combate à corrupção, com todas as suas acções, interacções e retroacções, facilmente concluiremos que a condenação está longe de ser justa. Apesar de o crime ser intransmissível, pode ter níveis de execução distintos. É comum, por exemplo, a destrinça entre autor moral e autor material, mandante e executor, devendo todos assumir a sua quota de responsabilidade.

Geralmente, a responsabilidade do autor moral e/ou mandante pode até ser maior do que do autor material. No caso em apreço é mais do que evidente que Manuel Rabelais está longe de ser o autor moral do crime e as pessoas que podem assumir a autoria moral do crime que levou à condenação de Rabelais estão longe de ser "molestadas" pela Justiça.

O caso Manuel Rabelais acabou, assim, por demonstrar de forma inequívoca o carácter selectivo que assumiu o combate à corrupção e à impunidade, que foi uma das principais bandeiras de campanha do Presidente João Lourenço. À entrada do quinto ano de mandato, a montanha pariu, de factom um rato.

*Deputado e vice-presidente do grupo parlamentar da UNITA