Pelo que sabemos e, não vale a pena escamotear, JES padece de uma doença cancerígena de evoluçao prolongada (mais provavelmente um tumor maligno da Próstata), em que é notório o seu fácies hipocrático ou também designado fácies cadavérico, caracterizado por apresentar: rosto pálido e magro, olhos "fundos" e inexpressivos, pele enrijecida e seca, ossos proeminentes e pele de "chumbo", bem como uma redução substancial da massa muscular (estará a pesar menos de 50Kg), o que define geralmente uma situação clínica de muito mau prognóstico, que decorre da sua doença maligna prolongada.

Há aproximadamente uma semana que o antigo presidente terá sido internado de urgência na Unidade de Cuidados Intensivos da clínica assinalada em epígrafe, por um quadro clínico grave com consequente paragem respiratória, versus paragem cardiorrespiratória (inclino-me mais para essa última hipótese diagnóstica em que a idade, associada à doença de base de mau prognóstico, tenha feito primeiramente uma paragem respiratória, seguida de paragem cardíaca, por conseguinte uma paragem cardiorrespiratória) e, tendo-lhe sido "induzido o coma" ou Sedação.

Então, o que é um COMA e o que é um COMA INDUZIDO?
A) Coma é um estado de redução da consciência, com perda parcial ou completa da resposta aos estímulos externos (por exemplo não-resposta à fala e/ou à dor). Nesta condição o doente é incapaz de interagir adequadamente com o meio externo. Ela pode ocorrer em casos de agressão ao Sistema Nervoso Central, nomeadamente do tronco Cerebral - a área que controla o nosso estado de consciência, aliás como ocorre amiúde nos casos dos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC).

B) O Coma Induzido ou mais correctamente designado por SEDAÇÃO é uma técnica que consiste na administração de fármacos com funções de sedação profunda controlada e que leva à inconsciência do paciente para que se possam tomar medidas terapêuticas adequadas, nomeadamente suporte ventilatório, com ventilação mecânica (uma espécie de pulmão artificial).
O que eventualmente terá acontecido a JES, para que lhe fosse induzido o coma com consequente suporte ventilatório? Duas hipóteses se colocam:
1- Provavelmente terá feito um AVC na sequência da invasão tumoral à distância, por via hematogênea (sanguínea) para o cérebro (embolização metastática do tumor com consequente déficit de irrigação sanguínea do cérebro).
2- Falência respiratória aguda inicial, com posterior paragem cardíaca, com consequente necessidade de Ventilaçao Mecânica. O que terá provocado a falência respiratória aguda, num doente com patologia cancerígena em estádio avançado? Invasão do tumor (metástase) para os pulmões, associada à perda significativa da massa muscular respiratória assessória? Parece-me ser a mais plausível. Infecção respiratória grave, como sequela de Covid? (parece-me pouco provável).
Estando JES com sedação profunda (em coma induzido), devido à paragem cardiorrespiratória grave (é o que julgo ter acontecido). Qual é a evolução clínica e o seu verdadeiro prognóstico?
São 18h45m de 28 de Junho de 2022, continuava a escrever o artigo para apresentar até às 12h de quarta-feira, 29 de Junho, ao NJ, e já tenho infelizmente informação sobre o real Estado Clínico de JES:
- A Ressonância Magnética revela lesões hipóxicas isquémicas agudas nos dois hemisférios cerebrais, no tronco encefálico e edema cerebral difuso, que fala a favor de AVC isquémico grave, atingindo o Tronco Encefálico, sendo que a paralisação deste elemento do cérebro é o que define, em última análise, o critério de Morte Cerebral ou Encefálica.
- O Electroencefalograma (que serve para detectar alterações na actividade cerebral) regista a actividade mínima de superfície, sem quase actividade eléctrica central, dos neurónios, o que indicia, igualmente, a factualidade de Morte encefálica.

Perante estes dois tipos de resultados, há critérios evidentes de evolução inexorável para MORTE CEREBRAL, e, por conseguinte, associados à doença de base em fase terminal, é praticamente um quadro gravíssimo e irreversível, sendo que estes doentes costumam igualmente apresentar disfunções de outros órgãos, nomeadamente o fígado e os rins, tornando o quadro sem retorno e de irreversibilidade contínua.
Que Atitudes Clínicas, perante essa Situação praticamente trágica?
- A retirada progressiva de drogas (desmame) fundamentalmente de sedação é mandatória e crucial para que se realizem as Provas Clínicas para a definição inequívoca de MORTE CEREBRAL.
- Não estando ainda claramente identificada a Morte Cerebral, pela não-realização das provas clínicas, mas que para lá caminha, pois o quadro clínico é notoriamente irreversível, as drogas que suportam os níveis pressórios (tensão arterial) deverão ser igualmente descontinuadas, assim como a retirada progressiva da sedação.- A retirada da Ventilação Mecânica, o Ventilador (pulmão artificial), numa situação clínica em que o doente está praticamente em pré-mortem encefálica, é impositiva por razões éticas e deontológicas, pois não se deve prolongar o sofrimento de um doente, quando expectativas de sucesso e reversibilidade são 100% nulas.

Por mais que queiramos o ente querido entre nós, nestas circunstâncias, temos de igualmente saber compreender que a Morte é, também, um imperativo da natureza. Aqui chegados, a opinião da família é determinante, mais de 99% dos familiares aceitam esse veredito médico, mas, mesmo em Morte Cerebral, a última palavra é a da família do ente querido. Há que repensar se, numa situação de irreversibilidade, e em pré-mortem, é ética e moralmente aceitável prolongar a agonia do doente e despender entre 7500-8000 euros/dia na UCI. Os familiares são soberanos e só eles poderão alegar razões, religiosas, culturais ou outras. Essa questão teria eventualmente outros desenvolvimentos numa Unidade de Cuidados Intensivos de um Hospital Público, cuja função primacial é a priorização absoluta do salvamento de vidas, obedecendo a critérios exclusivamente clínicos para a manutenção do suporte ventilatório, pois há sempre alguém a necessitar de uma cama hospitalar, para que a vida lhe seja salva. O caso de Ariel Sharon em Israel é paradigmático, permaneceu oito (8) anos sob Ventilação Mecânica, por razões culturais e de Estado. Não sabemos como será feita a gestão política do caso do ex-Presidente, estando a iniciar a campanha eleitoral para as eleições de 24 de Agosto de 2022.

Como médico, percebo a dor da perda de um ente querido e, ainda por cima, à dimensão do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, mas sou manifestamente contrário ao prolongar da agonia do doente em causa, por imperativos éticos e deontológicos. Como a última palavra caberá à FAMÍLIA, julgo que após a reunião provavelmente marcada para o dia 29 de Junho de 2022 entre a equipa médica e a família, apesar da enorme dor, imperará o bom senso. Honestamente não quero acreditar que se intente alguma Providência Cautelar, para que se mantenha ventilado ad infinitum. Mas estou céptico, julgo que vai haver uma batalha judicial intensa com as filhas. Aguardemos. n

PS: Este é o artigo que tinha outra abordagem e que mudou radicalmente depois das 18h45 de terça-feira, 28/06/2022
*Coronel-Reformado, Especialista em Doenças Renais