Recuperar a memória e perceber o que foi feito no passado ajuda a interpretar o presente e a projectar o futuro. Narrativas são criadas, factos são mediatizados, vilões são transformados em vítimas num verdadeiro "show-off", para que nos esqueçamos.

Há como que uma amnésia selectiva que nos impele a demitir-nos de lidar com a memória, de ir ao passado buscar factos e confrontá-los com o presente. É esse confronto que incomoda e que se procura evitar, porque, quando se vão buscar factos ao passado e o confrontamos com o presente, podemos estar a criar uma oportunidade para se revelarem certas hipocrisias e incoerências. Estamos a caminhar para aquilo a que se chama "sociedades do esquecimento".


Nós lidamos muito mal com a memória, somos como que uma sociedade que vive do hoje e, quanto ao futuro, tem uma ideia de que não sabe se haverá amanhã. O importante é o Hoje e o resto pode esperar. O passado não deve ser abordado/debatido, e o futuro deve permanecer na incerteza. Como o passado já passou e o futuro ainda não chegou (e nem se sabe se chegará), a ideia desta malta é apenas pensar e viver o presente. Temos no Jornalismo redacções muito jovens e com pouco memória. Fomos tempo ao longo dos tempos, uma estratégia de grupos a nível da comunicação social em Angola, que foi o de apagar a memória ou " queimar arquivos", sempre que esses elementos desses grupos estivessem em posições de chefia, a prioridade inicial era afastar a "mobília da casa", era correr com aqueles que tinham memória, que tinham passado.


O passado devia ser "apagado", devia ser esquecido e isso até hoje tem criado graves retrocessos. Quando trabalhei na TV Zimbo, tivemos duas administrações (por sinal geridas por cidadãos brasileiros e contratados por um dos accionistas na altura, o general Leopoldino Fragoso do Nascimento "Dino", cujas primeiras decisões foram "apagar" tudo aquilo que havia sido feito no passado. Ambas tinham carta branca dos accionistas para gerir a seu bel-prazer e literalmente deram cabo do arquivo da estação televisiva com danos irreversíveis até hoje - A afirmação do seu poder e autoridade implicava um rompimento total com o passado e um apagar da memória. Aqueles que não têm passado, que não têm trajectória, precisam destes apagar o passado e todos aqueles que representam a memória de um passado que não lhes pertence ou que, mesmo quando lhes pertence, eles foram apenas meros agentes da passiva.


É mau para o jornalismo, para a liberdade de expressão e de opinião quando um jornal sai de circulação, um programa de rádio ou de televisão deixa de ser emitido por alegadas pressões políticas ou de grupos. Perde-se em termos de pluralidade, diversidade e qualidade de conteúdos. Muitas vezes, há estes paradoxos de, por exemplo, que a entidade que no passado orientou para que se retirasse da emissão o "Elas e o Mundo" da LAC seja a mesma que autorize o "Política no Feminino" da TPA. Mas também é porque vivemos numa sociedade de esquecimento e de amnésias selectivas, é sempre muito fácil e até ajuda a aumentar a onda de solidariedade e a encarnar o papel de vítimas lançar a responsabilidade para o Sistema, o "Laboratório Central" ou as ditas "Ordens Superiores". Mas muitas vezes, temos dificuldades em assumir, em admitir que o jornalista é o maior inimigo do próprio jornalista.

Eu tenho memória de dois programas que criei e foram emitidos por duas rádios aqui cá Angola. Um, o "Vivências", foi emitido durante dois anos na Rádio Mais e foi retirado em Janeiro de 2015 de forma unilateral e arbitrária pela então direcção da estação radiofónica. Outro foi "O Mundo em Duas Sintonias", emitido durante um ano e meio na MFM (com apresentação do jornalista João Pinto), em que fui praticamente destratado e desrespeitado pelo responsável de conteúdos informativos e forçado a sair. Podia citar e sei que existem vários exemplos de conteúdos com qualidade e excelência na nossa comunicação social, que foram literalmente retirados de cena por mera soberba, necessidade de afirmação de poder, luta de egos, intrigas e invejas. Temos um histórico neste capítulo, há uma memória que muitos tendem em apagar e perceber que os karmas existem.


Nas sociedades do esquecimento, onde a memória é selectiva, a indignação passa a ser ela também selectiva. Os colegas da ZAP, Vida TV e Record foram literalmente atirados ao desemprego numa situação sem precedentes e de que não há memória entre nós e assiste-se a um silêncio conivente de alguns, uma passividade de outros e a vida segue. Todos os meses, jornalistas são colocados no desemprego, e isso passa-nos ao lado. Só agimos, só nos indignamos quando isso toca os nossos. Há uma solidariedade selectiva alimentada por certos compadrios e confrarias da opinião. Alguém disse um dia que "se as políticas da memória fizessem parte do nosso modus operandi de pensar o futuro, o País seria diferente". É preciso que mudemos o nosso modus vivendi, as nossas formas de relacionamento e de trabalhar a memória. Esse texto foi um exercício para avivar a memória e reflectir sobre uma sociedade do esquecimento que já começa a fazer morada no Jornalismo.