Um tratado sociológico decorre desta notícia, caracterizando, em tão variados aspectos, o drama social que temos vindo a vivenciar, e sobre o qual é dolorosamente oportuno reflectirmos neste período em que comemoramos os 46 anos da nossa independência.

Desde logo a guerra omnipresente. E que persiste em matar e ferir, apesar do 4 de Abril de 2002. As sementes que plantou continuam a destruir. Manifestando-se não só literalmente, como neste caso, mas em cada ideia que é morta à nascença - por censura ou omissão -, nos muros que continuamos a construir dividindo os cidadãos - obrigando-os a uma falsa unanimidade, para que não sejam considerados inimigos - como se a trincheira da Revolução ainda fizesse sentido, e como se não tivesse havido todo um caminho percorrido que nos trouxe a outras paragens onde a tolerância, a abertura, a sã convivência, o abrir fileiras para a construção juntos de um país melhor e mais inclusivo, não fossem os únicos atributos aceitáveis.

A embriaguez da senhora, provavelmente uma jovem-velha mãe, amarrada a uma vida condicionada por tantos ditames que a impedem de sair do círculo vicioso da pobreza, e que acaba por encontrar na bebida uma libertação, é o exemplo de uma tragédia repetida em tantos lares, em tantas vidas com a esperança limitada pela incapacidade que temos tido em levar saúde e educação a todos os cantos deste País, únicos caminhos para o desenvolvimento e igualdade - de género e de oportunidades -, e a que se tem que juntar uma malha de incentivos, para que a economia rural se expanda trazendo mais riqueza para aqueles cidadãos, desde logo com a manutenção de uma rede de estradas que permitam o comércio em bases justas, para que este seja um incentivo à agricultura familiar, ao desenvolvimento e esperança.

O forno a lenha, numa região onde ainda não chegou a electricidade, e que continua a lutar pela sobrevivência em condições muito próximas das dos seus antepassados, recorrendo à biomassa para a cozinha, num tempo de telemóveis, satélites e internet, no mesmo momento em que o mundo - mas não o mundo de Chongolola, no Bié, nem verdadeiramente do país a que Chongolola faz parte - se preocupa com as emissões de carbono e o aquecimento global, e os líderes, engravatados e movendo-se em carros de luxo com motores eléctricos zero emissões, fazem declarações para inglês ver, em Glasgow, no COP26.

A criança que faleceu, as pessoas que ficaram feridas, mais seres que vieram juntar-se aos deserdados da terra, numa lógica ancestral e irreflectidamente mantida, de "crescei e multiplicai-vos", sem saúde reprodutiva, nem cuidados materno-infantis, sem escola, sem carinho nem futuro risonho.

A agressão final, pois é preciso haver um culpado! Provavelmente acusada também de ser feiticeira, como está infelizmente na moda, num tempo em que a pior faceta do que chamamos "a nossa tradição" tem pululado pelos quatro cantos do país, alimentando o obscurantismo, perante uma postura populista de quem apenas almeja resultados imediatos.

Uma explosão em Chongolola, uma tragédia em muitos actos. Quando lembramos o 46.º aniversário da nossa independência.