Alguma coisa não vai bem na corporação, e obviamente que a solução não está em nomear/exonerar. Existe algo mais profundo, mais sensível e mais complexo que precisa de ser debatido e analisado com maior brevidade possível.

É certo que a PN não vai tranquilizar, esclarecer e transmitir segurança aos cidadãos com encenações como aquela que vimos na TPA, em que mais se tentou criar um facto político, em que se tentou criar uma narrativa de responsabilidade político-partidária dos acontecimentos de 10 de Janeiro, que, desde a leitura de um comunicado passando por versículos bíblicos, até slogans partidários e anúncios de um novo Eixo do Mal em Angola, e entre explicações com até certa consistência e outras nem por isso, uma "Troika do Medo" em horário nobre, uma peça muito mal ensaiada e com muito mau resultado.

Tenho dito que a PN é ainda muito conservadora, proteccionista, muito fechada em si mesma e que não gosta de ser alvo de discussão, objecto de análise ou escrutínio da comunicação social. Não é difícil perceber que temos em Angola uma Polícia com sérios problemas de meios técnicos, logísticos e humanos. O estado operacional de muitas esquadras é de bradar aos céus, há viaturas parqueadas por falta de uma bateria, de um pneu sobressalente ou até por falta de combustível. Temos uma PN com efectivos que trabalham em condições difíceis e que ainda são muito mal remunerados. Temos uma PN com efectivos que trabalham sob pressão, com excesso de horas de trabalho e com relatos de existência de um preocupante quadro depressivo no seu seio. Há um quadro psico-emocional que deve ser levado em consideração.

Não devemos esquecer os problemas burocráticos e de progressão na carreira, as lutas de egos e protagonismo entre as chefias, as "guerras" institucionais e de grupos no seu seio, falta de transparência em muitos processos e cadeias de gestão e também de abuso de autoridade. A PN ainda não tem a dignidade que a profissão exige. Há ainda a questão da proximidade aos cidadãos. Já aqui afirmei, em textos anteriores, que a proximidade deve ser um novo paradigma da Polícia. Mais do que uma política necessária, a proximidade deve ser um valor intrínseco às polícias urbanas. Que se crie entre a Polícia e o cidadão uma profícua relação de assistência/protecção, colaboração e cooperação! Que haja pedagogia na actuação diária da Polícia, para que o cidadão se sinta seguro e protegido com a presença policial! Não se pode validar a narrativa de que "bandido bom é bandido morto e que Polícia boa é a Polícia que mata". Não! Não se quer viver numa sociedade onde os cidadãos vivam com medo da polícia e com uma polícia que não transmita um discurso de tranquilidade e segurança.

"A nossa missão será combater o crime, no sentido de elevar a segurança das populações", disse aos jornalistas Arnaldo Carlos, após ser empossado no cargo de comandante-geral da PN, na passada terça-feira. Não indicando como o pretende fazer, uma vez que há muitos anos que o Comando-Geral da Polícia Nacional (CGPNA) não tem sob seu controlo e jurisdição um elemento crucial e importante no combate à criminalidade: a investigação! O SIC, de onde o novo comandante-geral é proveniente, é um órgão executivo central do Ministério do Interior, ou seja, tem dependência directa do Ministério do Interior. O que se argumenta é que o SIC e o CGPNA têm missões próprias no âmbito da segurança pública, concorrem para o mesmo fim: combater a criminalidade e garantir segurança às pessoas e ao seu património, ou seja, têm funções complementares.

Um comandante-geral, sem a tutela da investigação criminal, certamente será uma mera figura decorativa, uma "Rainha da Inglaterra".

Como pode o comandante Arnaldo Carlos prometer segurança e protecção aos cidadãos e traçar estratégias de combate ao crime se não tem o domínio da investigação criminal? Se não tem sob seu controlo a logística que também foi "capturada" pelo Ministério do Interior? Como é que um órgão operativo pretende combater a criminalidade e garantir segurança aos cidadãos se não tem, em primeira-mão, informação ou dados da investigação? É um filme longo e interessante. Estaremos aqui a assistir.