Para os menos avisados, a questão a levantar poderá ser a seguinte: por que razão estaria o Novo Jornal interessado em saber porque sai a efígie de José Eduardo dos Santos e fica apenas a de António Agostinho Neto? A resposta poderá ser simples: pelas mesmas razões que se decidiu por uma só efígie quando ontem eram duas, ou pelas mesmas razões que toda a decisão política carece de uma explicação pública que não passe pelo silenciar a que nos habituou o Poder Político em Angola.

Sem qualquer saudosismo e/ou qualquer tentativa de trazer a debate um assunto que está por de mais arrumado - a saída de José Eduardo dos Santos no xadrez político angolano - importava recorrer à história recente do país para percebermos a natureza incoerente do Poder Político.

Há pouco menos de três anos, esta figura que hoje está prestes a ser apagada das notas do Kwanza, junto dos seus correligionários e membros do seu partido governante, era rotulada com epítetos que pareciam torná-la numa ilustre personalidade que ficaria para todo o sempre marcada na história recente do país. Ledo engano! Uma vez mais ficou provado que em política não existem eternos aliados.

Quem não se lembra de ter ouvido proclamar aos quatro cantos do país a figura do «líder clarividente»? Quem não se lembra de ter ouvido falar de «o país que tinha rumo», «graças às sábias palavras» de um líder que somava simpatias no seio dos seus camaradas e era vezes sem conta tido como um factor de unidade nacional»? Quem não se lembra de uma figura que, apesar de falar episodicamente, era tida como a única capaz de preservar a paz e a reconcialiação entre os angolanos?

Hoje, estranhamente, esta figura que foi ou ainda é «o aquitecto da paz» é um ente desconhecido inclusive para os seus companheiros de bandeira partidária.

Estará aqui evidente um sinal claro de que o cinismo é a melhor escola política angolana? Estará aqui a versão mais acabada de um Poder Político incoerente e que não tem moral nenhuma para ser levado a sério?!

Verdade é que, volvido poucos meses do fim do seu mandato como Presidente da República, vimos um arregimentar de vozes contra a sua figura. O que nos deixa numa situação de algum inconformismo, na medida em que há um princípio que não pode ser posto de parte quando o que está em causa é a autoridade moral dos políticos.

Há duas coisas que não deviam ser admitidas em política: os «vira-casacas» e políticos incoerentes. Em relação aos primeiros, vimos ao longo dos anos vários voluntários e muitos deles evocavam o nome do ex-Presidente José Eduardo dos Santos na hora de justificarem a decisão tomada. Por estranha coincidência, por ocasião de mais um colóquio sobre o MPLA, só dois rostos apareceram exaltados em cartazes e bandeiras: o de Agostinho Neto e de João Lourenço.

A questão que se coloca é: onde param todos aqueles que um dia quiseram fazer crer aos angolanos que existia em José Eduardo dos Santos a imagem de um estadista que não tinha igual, que representava os anseios de todos os angolanos e que melhor compreendia os nossos problemas melhor do que um outro político?!

Como se pode perder de vista um homem com a magnificência e a visão estratégica de José Eduardo dos Santos?! Como se pode desacreditar que um líder clarividente deixou de o ser só porque há uma outra figura a liderar o país?!

Agora, por ocasião do mês de Abril de 2020, Angola comemora mais um ano de paz e reconcialiação nacional... Voltaremos a celebrar a paz e a reconciliação sem a clarividência do líder?!

De uma coisa temos a certeza, a lição política que se dá ao país não é das melhores e está claro que, por estas andanças, não sobrará ninguém na política do país que venha a ser digno de ser recordado tal como era no exercício do poder.