Este é o grande dilema destas empresas de segurança: armados, eles são poderosos, mas também perigosos e desarmados são vulneráveis. O Sindicato dos Trabalhadores de Empresas de Segurança e Autoprotecção teme que este processo coloque os seus "operativos" numa situação de vulnerabilidade perante os criminosos. Muitos dos responsáveis de empresas de segurança entendem que, com estas armas, os seguranças passam aos seus clientes uma sensação de segurança e de "prontidão combativa".

O problema é que, indo para a génese da constituição destas empresas, facilmente percebemos que os seus proprietários são altas patentes militares e da própria PN. Neste caso, a PN fica numa delicada situação de árbitro e jogador, situação que fragiliza a sua actuação neste processo em termos de lisura e transparência. O problema é que tem de ser a PN a coordenar este processo e o ideal seriam que estas altas patentes das Forças Armadas e da PN deixassem de ser "partes interessadas " neste processo. Também temos estado a acompanhar um perigoso e vicioso ciclo, em que alguns "operativos" alugam armas a cidadãos que posteriormente vão praticar crimes, devolvendo-as após o período combinado.

Resumindo e concluindo, anda por aí um perigoso e silencioso esquema do topo à base que alimenta e sustenta miúdos e graúdos.
"Este é o desafio premente e permanente em África, é também o desafio de todos os dias em Angola: providenciar segurança e desenvolvimento para todos, combatendo o tráfico de armas ligeiras e de pequeno calibre, pois temos a noção plena que sem armas a prevenção e gestão de conflitos se tornariam mais fáceis e muito mais eficazes", escreve João Lourenço, Presidente da República e também presidente da CIRGL (Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos), na nota de abertura do livro intitulado "O Tráfico de Armas Ligeiras. Implicações para a Paz e Segurança na Região dos Grandes Lagos", da autoria do general José Luís Caetano Higino de Sousa "Zé Grande" , lançado em Luanda no passado dia 26 do corrente mês.

Este livro é um exercício importante, interessante e desafiante, porque levanta questões que afectam uma região sensível e que é palco de muitos conflitos políticos, étnicos e tribais. Discutir é preciso e, acima de tudo, publicar para comunicar e provocar o debate em torno do tema. Procurar encontrar as causas do problema, buscar parcerias e chegar até às soluções. Um elemento importante é que, sendo um militar e director dos Serviços de Inteligência Externa (SIE), Zé Grande não prende os assuntos aos corredores da "Fortaleza de Camama" e leva-os para a academia e daí os transforma em livro. A ideia foi, certamente, despertar o debate intramuros e levar o tema para outros palcos. A abordagem desses temas sobre segurança faz-nos ter uma percepção sobre a situação de insegurança em que nos encontramos e da necessidade de agir consciente e activamente.

Faz-nos falta uma cultura de segurança, faz-nos falta ter consciência sobre a necessidade de nos protegermos dos inimigos internos e externos. Os problemas que o continente enfrenta em matéria de comunicação, coordenação e cooperação em segurança também são importantes. Infelizmente, existem muitas instituições em África, mas que têm um grande défice de cooperação em matéria de defesa e segurança. Sendo esse um problema que começa ainda dentro dos próprios países, Angola é um exemplo prático de grandes e preocupantes problemas de cooperação. Coordenação e partilha de informações entre os diferentes serviços de inteligência. Se internamente as instituições não cooperam entre si, como esperar que, a nível regional ou continental, tal aconteça?

A questão da responsabilidade e responsabilização do tráfico de armas ligeiras é muito importante, e aí louvo a coragem do autor em responsabilizar muitas das ditas potências globais por colocarem estas armas nos territórios africanos, os esquemas e os interesses corporativos. Outro dado importante é que esta situação não deve ser vista apenas num eixo militar, mas também em termos económicos, sociais, políticos, ambientais e humano. A verdade dos factos é que existem muitas armas em circulação, muita gente armada e perigosa. Já passou o tempo de reflectir e a hora é de agir.