No caso concreto do andebol, o nono lugar alcançado no Cairo pela equipa nacional masculina dividiu a "família do andebol" em termos de opinião sobre as razões que subjazem ao fracasso. De um lado estão os que encaram o "desastre" como natural, em razão de um conjunto de eventos circunstanciais ocorridos durante a prova e do outro estão aqueles que apontam o dedo acusador à Direcção da Federação Angolana de Andebol (FAAND) como culpada do "desaire". Como se o presidente ou os vice-presidentes tivessem falhado o livre a partir da linha dos sete metros diante de Cabo Verde, que, se convertido, teria provavelmente conferido outra fisionomia àquela fatídica partida dos quartos de final.

Já escrevi na última semana, neste espaço, que a vitória caiu para o lado oposto como poderia ter caído para o lado angolano, pois a diferença foi de um escasso golo e quem não anda neste mundo apenas a ver navio sabe que esta magérrima diferença não resulta de mais ou menos uma semana de treino. Resumindo: A Selecção nacional de Angola não teve a sorte do jogo e, depois disso, desabou psicologicamente e perdeu com a RD Congo e com a Guiné Conacri. Curiosamente, dias antes dessas duas derrotas, o "sete" de José Pereira "Kido" havia batido esses mesmos adversários, no Campeonato e no estágio. Logo, mesmo não sendo um "homem do andebol", penso não fazer sentido nenhum apontar como razão do insucesso a ausência de um estágio prolongado. Também lembrei aqui que Cabo Verde, que foi vice-campeão continental, não fez qualquer estágio.

Embora a Selecção Nacional masculina tivesse estagiado durante 10 dias no Egipto - é indubitavelmente um país de topo no andebol mundial -, há quem entenda que o tempo de preparação foi escasso. Um segmento nada desprezível da "família do andebol" acha que o curto período de apronto pré-competitivo se deve a um suposto tratamento de pária dado à equipa nacional masculina pela Direcção da FAAND. Na visão dessa gente, a entidade máxima do andebol nacional só tem olhos para a classe feminina. E o exemplo a que se socorreu foi o facto de as "Pérolas" terem realizado um mini-estágio com jogos particulares, na última semana IHF, quando o seu campeonato é só em Novembro, enquanto os masculinos, que tinham já compromisso oficial em Julho, não o fizeram.

A "tese" foi defendida de modo tal que passou a impressão que bastava um estágio prolongado para que "Kido" e pupilos tivessem um resultado melhor. Como se o estágio longo fosse uma fórmula infalível. Sinceramente, não sei em que bola de cristal alguns "homens do andebol" lobrigaram isto. O facto de ter um estágio mais ou menos prolongado não significa necessariamente estar fadado a vencer ou condenado à derrota. E aqui, tomemos como exemplo a Selecção Nacional feminina no último CAN, disputado nos Camarões há um ano. Devido às restrições decorrentes do combate à pandemia da Covid-19, Angola teve eventualmente as mais severas restrições registadas em África. Por isso, estagiou por muito pouco tempo, noutro país de topo mundial da modalidade na classe feminina, a Hungria. Em contrapartida, Senegal, Tunísia e Camarões tiveram muito mais tempo de preparação. Mas no final das contas quem ganhou o Campeonato? Foi exactamente Angola. Por conseguinte, não é líquido que um estágio prolongado resulte em triunfo. No desporto não é assim, apesar de que, de modo sub-reptício, há quem queira vender esse peixe.
Estranho na "tese" do desprezo dos masculinos em benefício dos femininos é que os ditos "homens do andebol" sabem, como qualquer outro "homem do desporto", que não se faz desporto sem dinheiro.

Também sabem que o principal sponsor do desporto nacional é o Governo. Outrossim, ninguém ignora que, nas nossas condições sócio-económicas, jamais haverá desporto se o Executivo não puser dinheiro. Mais: o dinheiro não abunda e em muitas ocasiões vimos representações nacionais desistirem de compromissos internacionais por falta de verba. Há sensivelmente dois meses, a Selecção Nacional de futebol com muletas, que é campeã do Mundo, deixou de participar num torneio importante que serve de antecâmara ao "Mundial". Aliás, quando ganhou o Campeonato do Mundo de 2018, no México, aconteceu exactamente o mesmo que a Selecção de andebol masculino: chegou ao local da competição com 10 dias de antecedência. A única diferença é que os andebolistas tiveram a oportunidade de realizar quatro jogos de preparação in situ e os futebolistas, nenhum!
Dito nua e cruamente, o maior patrocinador do desporto nacional, que é o Governo, não teve dinheiro para um estágio mais prolongado da Selecção Nacional masculina, visando o recém-terminado CAN do Egipto. O aparente favorecimento da classe feminina em detrimento da masculina encontra explicação nalgo factual: As senhoras têm um nutrido patrocínio - visto obviamente na perspectiva angolana - da petrolífera TOTAL, eventualmente o maior sponsor do desporto africano. Por isso, puderam fazer o mini-estágio da semana IHF.

A classe feminina só tem este apoio porque é vencedora, colecciona uma montanha de títulos continentais e até um mundial, no caso de clubes. Logo, muitas empresas querem associar as suas marcas às campeãs. Ninguém quer associar-se a equipas perdedoras. Para o masculino dispor de iguais ou melhores condições de trabalho que o feminino, tem que fazer por merecer. Tem de chegar ao mesmo patamar classificativo que o feminino. E recentemente no Cairo teve essa possibilidade, que só não se concretizou por manifesta má fortuna. Tivessem os rapazes às ordens de José Pereira "Kido" uma pontinha de sorte, seguramente fariam a mesma trajectória que Cabo Verde. Em consequência, muito provavelmente a TOTAL ou outra companhia qualquer de prestígio e com músculo financeiro iria investir na classe. Depois, o andebol masculino desfrutaria de estágios qualitativa e quantitativamente melhores que os proporcionados pelo Governo, deixando de depender exclusivamente do dinheiro público que é escasso para as necessidades do País.

Objectivamente, falta um grande triunfo continental aos masculinos para atrair patrocinadores. Provavelmente alguns "homens do andebol" devem pensar que, para os masculinos disporem também de boas condições de trabalho, o presidente da FAND ou outro dirigente tenha que andar de pistola em punho a intimar administradores de empresas a patrocinar os homens. Isto não funciona assim.