Faço-o porque, no meu entendimento, o acto que fará da EDFC beneficiária de cerca de um milhão de dólares será, eventualmente, um dos maiores acontecimentos do desporto nacional fora do terreno de jogos, nos últimos tempos. É verdade que várias agremiações nacionais já receberam financiamentos de entidades estrangeiras e nacionais, nalguns casos até em dimensão maior. Mas receberam praticamente de mãos beijadas, a título de patrocínio, talvez até de caridade. Com a EDFC foi diferente. Há parceria, sustentada numa viga infrangível, que é a confiança.

O entendimento a que a EDFC chegou com a Embaixada de França em Angola e a AFD ganha em dimensão por várias razões. Mas aqui aduzirei apenas algumas, a começar pela "cabeça" do projecto Formigas, de seu Ngouabi Salvador, figura que se ergue como verdadeiro empreendedor do desporto. Ngouabi Salvador nunca morou no bairro Cazenga e até nasceu relativamente distante dali. Antes de abraçar o projecto, apenas havia passado de forma fugaz pelo bairro umas poucas vezes, em visita a familiares. Mas quando há sensivelmente oito anos tomou contacto com o clube, foi "amor à primeira vista". A dedicação que tributou às "Formiguinhas" a partir de 2013 fez dele presidente do clube a partir de 2019.

Isto não deixa de ser no mínimo curioso, porque ele não é um homem do Cazenga. Não é lá onde o seu cordão umbilical foi enterrado, não é lá onde tem raízes. Ainda assim, decidiu doar o seu conhecimento em matéria Desportiva, de Finanças e de Direito para erguer um clube-modelo, que pode ser o protótipo de colectividades desportivas de que o País vai precisar, para que sejam o sustentáculo do desporto de rendimento, visando a sua salvação, ou seja, agremiações projectadas de modo a formar atletas de qualidade e homens íntegros.

Entre governantes (antigos e actuais) e poderosos do Regime há muito boa gente nascida no Cazenga, torrão que também deu à luz uns poucos "marimbondos". Gente que andou pela Horta, ali próximo do Imbondeiro, pelo campo do Areias e outros pontos do bairro. Mas tão logo se viram livres do bairro não olharam mais para trás. Vivem vidas faustosas e torram dinheiro em frivolidades - riqueza construída com base em expedientes criminosos -, esquecendo que há uma comunidade carente de auxílio, uma comunidade que, se for ajudada seguramente, não resvala para a ladeira do crime, uma comunidade que, se tiver ferramentas para levar uma vida decente, não constituirá perigo para ninguém e muito menos para os seus benfeitores.

Há por este mundo fora exemplos tocantes de solidariedade. Atente-se aos casos dos futebolistas Sadio Mané (Senegal) e Mohamed Salah (Egipto), ambos do Liverpool. Eles não se cansam de combater a pobreza das comunidades de onde vieram, porque sabem que lá mais para a frente terão o retorno, traduzido em homens capazes de, com o seu trabalho, criarem também riqueza. E note-se que, ao contrário dos marimbondos do Cazenga - estes servem-se de dinheiro afanado aos cofres públicos -, solidarizam-se usando dinheiro ganho com o suor do respectivo trabalho. São exemplos de cidadania que merecem ser reverenciados.

Ngouabi Salvador encarna um pouco o dirigente de outros tempos que tudo dava ao clube, sem nada esperar em troca. Como aquele do 1.º de Agosto da década de 1980, cuja história de dedicação contei aqui uma vez. Era o Tio Carneirinho, chefe-adjunto do departamento de futebol. Para servir o clube subtraiu da própria casa a antena de televisão, a fim de lavar a concentração para que os atletas não ficassem sem TV durante o estágio... No dia seguinte teve que se haver com a "patroa". Os Tios Carneirinhos dos tempos modernos já não precisam "roubar" antenas ou o que seja de casa, embora vez por outra ainda tenham que tirar do sustento da família "algum" para pôr no clube. Precisam ter ideias, estruturar projectos credíveis e exequíveis e buscar parcerias, como fez o presidente do EDFC.

Também não deixa de ser inquietante que o próprio administrador do município, um sujeito nado no Cazenga, nunca tenha posto os pés na "casa" das "Formiguinhas" e a única vez que assomou ao clube foi exactamente no dia da assinatura do MdE para entregar a licença de obras de que a infra-estruturas da colectividade vão beneficiar, ao abrigo do acordo assinado. Apareceu para o show político que se impunha, sabendo que tinha tempo de antena garantido na TV e a debitar generalidades e politiquices que não enchem a barriga a ninguém e em nada aproveitam ao clube.

É, por outro lado, incompreensível o posicionamento da Administração Municipal do Cazenga que, tal como as restantes do País, recebem mensalmente 25 milhões de kwanzas para o combate à pobreza e sequer põe um tostão num parceiro social tão importante como a EDFC, a única agremiação desportiva oficializada do histórico "Congo Pequeno". Mais: haverá, certamente, no conjunto de rubricas orçamentais da edilidade alguma que sirva o desporto ou projectos sociais de impacto. Ainda assim, nada pinga para incentivar o exercício pleno de cidadania em que se transformou a EDFC. É confrangedor notar que já no tempo do anterior administrador, Albino da Conceição, que até é um homem do desporto da cabeça aos pés, as "Formiguinhas" jamais beneficiaram de qualquer apoio material ou moral do Município.

Por isso, custa entender que seja "alguém de fora" do Cazenga a dar esse passo, num bairro que parturiu tanta gente que hoje tem poder real ou gravita na periferia do Poder. Gente com possibilidades mil de mitigar o sofrimento da comunidade por via de apoio a projectos estruturantes como é a EDFC, que mereceu a atenção dos franceses da Embaixada e da AFD, o mesmo que dizer de gente séria.

Mais caricato em tudo isso é que essa gente sequer se envergonha pelo facto de a "sua gente" ser amparada por estrangeiros... Assobia para o lado, sem perceber que levou um bofetão de luva branca ou uma chapada sem mão, como diz o povo. Que vergonha!