Não é a primeira vez que o Sporting de Cabinda grita por socorro a meio da competição. Nos últimos 10 anos, sempre que esteve na I Divisão, fez o mesmo, citando dificuldades financeiras. Em 2012, a história foi igual e, então, foi socorrido pelo empresário Bento Kangamba, que era (e continua a ser) o presidente do Kaburcorp FC. Coincidentemente, o Kabuscorp FC competia na mesma prova que o Sporting de Cabinda e, coincidentemente também, quando foi lançado o brado de amparo, ambas as equipas não haviam ainda jogado a partida da segunda volta entre si. Coincidentemente, depois da ajuda do empresário-presidente, o Kabuscorp FC foi a Cabinda vencer o Sporting por 1-0 e naquele ano o emblema do enclave desceu de Divisão...

O bramido do Sporting de Cabinda não é algo que desconheçamos. Na verdade, é algo que acontece quase sempre nessa altura do campeonato, mudando apenas os actores. A isto o futebol angolano já está habituado e já vai sendo normal. Do modo como dirigentes federativos e de clubes encaram o fenómeno, o "grito de socorro" passou a ser adereço do "Girabola". Sequer já a "tribo do futebol" se preocupa com a salvaguarda da verdade desportiva que, nesses casos, fica sempre comprometida. Em parte, por isso é que o futebol angolano continua a ser uma mentira e, a nível africano, nada consegue. E a seguir assim, muito dificilmente conseguirá triunfar num futebol que, apesar dos pesares, vai ficando cada vez mais sério e organizado.

O que está a acontecer com o Sporting de Cabinda remete-nos a várias leituras. A primeira é que reflecte falta de seriedade das diversas direcções que passaram pela Federação Angolana de Futebol (FAF). Não fosse assim, como acontece em qualquer País onde o futebol não é brinquedo, aos clubes da I Divisão deveria ser exigido prova de capacidade financeira para disputar a competição, ou seja, nenhum clube seria autorizado a participar no "Girabola" se não tivesse um depósito bancário num valor a estipular pela entidade que administra o futebol. Em todo o País minimamente sério, é assim, porque, desse modo, não há salários em atraso que levem a greves e a faltas de comparência que, por seu turno, estupram a verdade desportiva.

É verdade que numa economia desestruturada como a de Angola é muito difícil aplicar normas de economias íntegras. Mas era importante começar por algum lado, de modo a se emprestar seriedade ao "Girabola". Porque não é justo, por exemplo, um clube gastar dinheiro para a preparação, deslocação e jogo num determinado local e às vezes até ganhar para depois na segunda volta esses pontos deixarem de valer porque o emblema X, Y ou Z desistiu. Além dos imensuráveis constrangimentos na componente desportiva, há estragos irreparáveis do ponto de vista financeiro. Aliás, sabemos todos como os preços de tudo em Angola são proibitivos...

Quando, em 2005, a Direcção da FAF, então presidida por Justino Fernandes, impôs a obrigatoriedade de todos os jogos da I Divisão se disputarem em campos relvados, quase caiu o Carmo e a Trindade. A chiadeira foi quase generalizada e muita gente dizia ser impossível concretizar tal desiderato. A verdade é que todos se conformaram à regra e hoje já é impensável um desafio do "Girabola" ou da "Segundona" no pelado. Logo, se a FAF tomar uma medida que proteja o jogo limpo, por via de regras financeiras rígidas, é lógico que no início o clamor será ensurdecedor, como no caso dos campos relvados. Mas depois o volume das vozes protestantes vai seguramente baixar. O que não é aceitável é a caricatura em que se transformou o Campeonato Nacional da I Divisão.

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