Em regra, o passado é quase sempre romantizado por quem o conta, cobrindo-lhe de virtudes que provavelmente só foram descobertas depois de concluída a passagem pelo "túnel do tempo". É assim em todas as gerações. Daqui a um quarto de século, por exemplo, os jovens que agora têm 30 anos vão seguramente amplificar os feitos de "boleiros" como Ary Papel, Gelson Dala, Job e outros. É quase Lei... Só assim se entende, de resto, que a cada pergunta no programa "Voz dos Kotas", da Rádio-5, sobre como era o futebol de tempos idos, a generalidade dos interlocutores passa a imagem de que no passado tudo era melhor que agora. Isto não é verdade, nem por sombras. Houve mesmo quem insinuou que o famoso "tik-taka" do Barcelona foi decalcado de equipas do Torneio Popular Cuca. Delírio. Puro devaneio!
Uma das nações mais bem sucedidas no desporto é a Alemanha. O sucesso germânico decorre essencialmente do facto de os números serem bastante valorizados. Nesse particular, a mentalidade alemã é de um racionalismo positivo, pois destaca aquele que marca golos ou faz assistências, em vez daquele que finta uma fila de adversários e na hora de cruzar ou rematar cai. É que o desporto bretão é agora uma indústria resultadista.
Os números germânicos são para aqui chamados para dizer que, apesar de a habilidade de jogadores como Dinis, Ndungidi e Jesus, entre outros, ser um colírio para as vistas, a verdade é que estes ficaram nos primeiros degraus da escada do sucesso. Em contrapartida, Akwá subiu um pouco mais, carregando todo um país às costaspara participar no Campeonato do Mundo de futebol de 2006, na Alemanha. Vista de um determinado ângulo, a presença de Angola naquele evento planetário terá sido a maior conquista do futebol angolano de todos os tempos.
A assinatura mais notável da "epopeia de 8 de Outubro de 2005" é de Akwá, que marcou o tento da qualificação que encheu de orgulho todo o país. Akwá e companheiros deram visibilidade a Angola no concerto das nações, algo que nenhum discurso na sede da ONU ou uma posição em boardsde prestigiadas organizações internacionais deram a Angola. O futebol tem essa força imensurável...
Akwá não foi só um dos heróis da campanha para a qualificação "mundialista". Mesmo a FAF não tendo dados oficiais sobre internacionalizações, está claro que ele é o goleador-mor das "Palancas Negras" e o mais internacional de todos que alguma vez vestiram a camisola rubra. Por ironia do destino, a qualificação de Angola para o "Mundial" rendeu centenas de milhares de dólares a muitos dirigentes do futebol e até a governantes. Afinal, ninguém desconhece as negociatas em que se constituíram.
Curiosamente, foi a qualificação angolana para o "Mundial" que deu gás às autoridades governamentais para pleitearem a organização de um CAN em solo angolano. Também não é novidade para ninguém a "farra" com o dinheiro público promovida por malta do futebol e do poder político por altura do CAN"2010. Muita gente encheu ilicitamente as algibeiras, obedecendo à lógica da matilha faminta. Passada mais de uma década sobre o CAN, é óbvio que já muitos ladrões voltaram à sua anterior condição de remediados ou de pobres, enquanto outros fizeram-se a valer. Uns e outros meteram a mão na massa, porque em campo houve um Akwá a trabalhar para que o dinheiro caísse.
O "eterno 10" da Selecção Nacional representou dois clubes históricos de Portugal, designadamente Académica de Coimbra e Benfica de Lisboa, além do FC Alverca, antes de rumar ao Qatar para defender as cores do Al Ittihad Doha, Qatar SC e Al-Wakrah. A carreira além fronteiras não atingiu níveis de excelência, porque quando passou pelas "águias" da capital lusitana o clube estava em turbulência. Mas um dos obstáculos para que o "capitão" não atingisse o máximo do seu potencial foi o vai-e-vem que durante largos anos teve que fazer para representar a Selecção Nacional.
Nisso, Akwá chegou a representar três selecções (Sub-20, Sub-23 e AA) simultaneamente e até para partidas da Taça COSAFA era convocado, numa altura em que a cedência de jogadores às equipas nacionais não estava ainda devidamente clarificada. Em face disso, jogou menos do que devia nos clubes que representou, principalmente no Qatar. Aliás, embora não o diga publicamente, o goleador terá mudado de ares exactamente porque havia mais possibilidades de "escapulir" para a Selecção Nacional na Ásia do que na Europa.
Numa dessas idas e vindas à Selecção Nacional aconteceu o inesperado. Akwá não se apresentou em tempo útil ao clube e este rescindiu o contrato alegando justa causa e pedindo uma indeminização ao jogador. O resto é o que já se sabe. Ou seja, o homem que serviu o país de forma denodada, demonstrando genuíno patriotismo, está afastado do futebol, porque não tem recursos para pagar a dívida estimada em centenas de milhares de dólares.
É estranho que aquele que para muitos é o melhor futebolista angolano do pós-independência, com larga experiência ganha no mundo da bola e da política esteja simplesmente encostado às boxes. Um país como o nosso, com tantos problemas para se afirmar na arena futebolística, não se pode permitir ao luxo de jogar no lixo o capital de experiência e conhecimento adquirido por Akwá. Um país que age desta forma não é sério. É, aliás, por desperdiçar capital acumulado em figuras da dimensão de Victorinho Cunha, Oliveira Gonçalves, Alberto Carvalho "Jinguba" e outros que no nosso desporto medram parasitas travestidos de dirigentes.
O montante pedido como indemnização é quase nada para o clube qatari. É algo que pode até ser anulado, se as autoridades angolanas porfiarem na diplomacia. É estranho que até agora a FAF não se tenha chegado à frente no sentido de encontrar caminhos que levem a despenalização de Akwá pela FIFA.
Decididamente, um patriota como Akwá não merece tamanha desfeita de patrioteiros que diante de câmaras e microfones não cansam de gabar o seu patriotismo. Que patriotismo mais patrioteiro, esse que não se move para resgatar do abismo uma das maiores figuras do nosso futebol. Decididamente, Akwá não merece isso!